terça-feira, 10 de agosto de 2010

Lula e Dilma. As farsas

Ele faz de tudo para calar a oposição

Vale até desagradar aos aliados iranianos desde que Dilma seja blindada contra as críticas de Serra.

Sabe-se há muito tempo que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva faz tudo o que pode e não pode para eleger a candidata do PT, Dilma Rousseff, à Presidência da República. Mesmo que, para isso, tenha de atropelar a lei. Nas últimas semanas, alguns movimentos feitos pelo governo deixaram evidente que Lula faz também tudo o que pode para tentar blindar Dilma contra os ataques feitos pelos adversários principalmente pelo candidato do PSDB, José Serra. Em vários episódios, Lula e o governo tomaram decisões ou mudaram atitudes para tentar silenciar as críticas de Serra. Para isso, vale até desagradar a alguns aliados.

O caso mais evidente aconteceu no sábado, 31 de julho. Durante um comício de Dilma em Curitiba, Lula anunciou que apelara ao presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, para que fosse suspensa a condenação à morte por apedrejamento de Sakineh Ashtiani, acusada de adultério e assassinato do marido (leia mais na coluna de Ruth de Aquino). A barbaridade da pena despertou indignação mundial contra a execução de Sakineh. No Brasil, reforçou o discurso de Serra contra a política seguida por Lula de aproximação com o Irã. Acho troglodita de direita quem apoia Ahmadinejad, s um sistema que mata mulheres, uma ditadura que prende jornalistas, enforca opositores, disse Serra. Dois dias depois dessas declarações, uma oferta de asilo humanitário no Brasil para Sakineh foi feita por Lula e prontamente rechaçada pelo governo de Ahmadinejad, em tom de desdém.

O caráter eleitoral do gesto de Lula ficou evidente não só pelo fato de ele ter sido feito em cima de um palanque. A oferta não é condizente nem com as atitudes de solidariedade de seu governo com o regime dos aiatolás nem com a política seguida pelo Ministério das Relações Exteriores. Na semana passada, tornou-se público que o Itamaraty enviou uma carta a todos os países-membros da ONU em que defende mudanças na forma como as Nações Unidas tratam as violações de direitos humanos no mundo.

Na carta, o Itamaraty propõe que a ONU deixe de censurar publicamente países acusados de violações, apesar de essa ser uma das principais formas de pressão contra regimes autoritários. A proposta é coerente com a doutrina nacionalista de mentores da política externa do governo Lula, como o secretário de Assuntos Estratégicos, Samuel Pinheiro Guimarães. Num livro de 2006, ele qualificou a defesa dos direitos humanos ocidentais como uma forma dissimulada de as grandes potências internacionais defenderem seus interesses estratégicos.

Assim como no caso de Sakineh, o governo tomou outras iniciativas para tentar proteger Dilma contra o efeito de críticas feitas por Serra. Há duas semanas, Lula trocou subitamente a direção da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT). Foram demitidos o presidente da empresa, Carlos Henrique Custódio, e o diretor de recursos humanos, Pedro Magalhães. Embora a crise de ineficiência dos Correios já se arraste há bastante tempo, a medida foi tomada depois que Serra passou a insistir, em suas entrevistas, que o loteamento partidário da estatal (leia mais) é um escândalo.

Outra crítica de Serra foi dirigida à atuação do governo no controle da fronteira com a Bolívia, por onde entra boa parte da cocaína que chega ao Brasil. Era uma estocada na relação estreita de Lula com o presidente da Bolívia, Evo Morales, a quem Serra chamou de conivente com o tráfico de drogas. O governo Lula respondeu com a realização, entre os dias 17 e 29 de julho, da maior ação de combate ao narcotráfico feita até hoje na fronteira com a Bolívia. Recebeu o nome de Operação Gênesis e se concentrou em Mato Grosso, Estado onde Serra fez as declarações sobre narcotráfico. ÉPOCA acompanhou os quatro primeiros dias do trabalho policial, que empregou 450 homens. A importância eleitoral da operação ficou clara logo na solenidade de abertura, quando autoridades federais e estaduais enalteceram a mudança de postura na defesa da fronteira, na linha do nunca antes na história deste país.

Ao mesmo tempo que corre para tapar os buracos apontados pela oposição, o Planalto mantém em funcionamento a máquina do governo que insufla a candidatura de Dilma. Na semana passada, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, organizou dois encontros com ministros e mais de 100 parlamentares para discutir formas de engajamento na campanha. O presidente da Câmara e candidato a vice na chapa de Dilma, Michel Temer (PMDB-SP), antecipou até uma discussão sobre distribuição de cargos num eventual governo Dilma.

Ninguém tem dúvidas de que o governo tem obrigação de corrigir falhas apontadas pela oposição. O que não deveria acontecer é a adoção de medidas de última hora, de apelo eleitoral, com o único intuito de impulsionar a campanha de Dilma Rousseff.

Leonel Rocha e Marcelo Rocha
Época - 09/08/2010

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A bela e o dossiê

A filha do ministro da Fazenda apimenta uma denúncia apócrifa contra um diretor do Banco do Brasil .
Ricardo Mendonça

Marina Mantega, de 29 anos, filha do ministro da Fazenda, Guido Mantega, apareceu no noticiário da semana passada envolvida num episódio que já está virando folclórico no meio político: a produção industrial de dossiês, ora para denegrir a imagem de adversários políticos, ora para alimentar disputas internas por espaço e poder.

Reportagens dos jornais Valor Econômico e Folha de S.Paulo sugeriram que Marina teria tentado traficar influência dentro do Banco do Brasil. A história começou quando um dossiê feito para atingir o diretor Paulo Caffarelli vazou para a imprensa. Entre outras insinuações contra Caffarelli, o tal dossiê apócrifo dizia que Marina Mantega costumava ser recebida regularmente por ele para encaminhar pedidos secretos.

Caffarelli confirmou as reuniões com Marina. Disse que a recebeu três vezes, ouviu três pedidos, mas não deu encaminhamento a nada. Na primeira vez, segundo Caffarelli, Marina queria abrir uma conta para uma amiga. Na segunda, estava atrás de informações sobre linhas de crédito para exportação. Na terceira, falou sobre a renegociação da dívida de uma empresa. Especula-se que a empresa seria a Gradiente, fabricante de eletroeletrônicos controlada pela família do namorado de Marina, o empresário Ricardo Staub.

A dificuldade ficou clara quando chegou a vez de Marina falar. Também em entrevista, ela negou qualquer encontro com Caffarelli e assim expôs uma evidente contradição. Ou Marina está mentindo, ou Caffarelli.

Como não há nenhum indício de que os eventuais pedidos tenham sido atendidos, a crise teve vida curta e não deverá ter importância alguma na disputa eleitoral. Mas serviu para jogar os holofotes sobre essa curiosa personagem que, por sua história e seu comportamento extrovertido, destoa do padrão típico do militante petista.

Na internet e em várias entrevistas, Marina Mantega sempre fez questão de elogiar a atuação de seu pai na Fazenda e o desempenho do governo Lula nas áreas social e econômica. E é justamente pelas áreas social e econômica que Marina se destaca.

Na faculdade, Marina optou por uma carreira que poderia ser classificada como atípica para os padrões médios petistas: administração. Depois, fez estágio e trabalhou em locais onde a densidade petista por metro quadrado também costuma ser baixa. Passou pela Bolsa de Mercadorias & Futuros, a BM&F, por corretoras e pelo banco Bradesco. Não como bancária, mas como trader internacional.

Hoje, Marina continua atuando naquilo que os petistas mais radicais chamariam de o lado de lá. Ela declara ser representante de um grupo bilionário dos Emirados Árabes, controlador de empresas em vários ramos da economia. Suas viagens mais constantes têm sido para Dubai.
Vou todos os dias ao MG Hair e à clínica de estética da doutora Chris
MARINA MANTEGA, militando do lado de lá

Marina também acumulou experiência no universo das celebridades instantâneas. Tentou a carreira de atriz, mas teve atuações muito discretas. No teatro, participou da peça Cleópatra, em que as principais estrelas eram Cláudia Ohana e Cláudia Alencar. No cinema, foi coadjuvante em Amazônia Caruana, de Tizuka Yamasaki.

Visibilidade bem maior ela conseguiu quando resolveu turbinar seus seios. Para sites e revistas de celebridades, deu várias entrevistas sobre a aplicação de 265 mililitros de silicone em cada lado. Depois, descontente com a nova anatomia, teria reduzido o volume da prótese para 120 mililitros.

No circuito dos famosos, namorou outras celebridades, como o ator Marcos Paulo, e fez fotos seminua para publicações masculinas. O mergulho de Marina na carreira modeleatriz por pouco não terminou em reality show. Em 2009, ela foi anunciada como possível participante do reality show A fazenda, da TV Record. Semanas depois, sempre em entrevistas às revistas de celebridades, admitiu que desistiu do projeto após um pedido feito pelo pai.
Paulo Freitas

Na contramão do que reza a cartilha petista convencional, Marina nunca teve vergonha de declarar sua paixão pelo consumo. A um site, fez declarações de arrepiar a espinha dos mais ortodoxos: Vou todos os dias ao MG Hair (salão de beleza de luxo em São Paulo) e à clínica de estética da doutora Chris Coelho. Em outra oportunidade, listou suas grifes prediletas Marc Jacobs, Balenciaga, Pucci e Bottega Veneta e arrematou com notável categoria de dondoca: Sou compulsiva por compras. Tenho tanta roupa, bolsa e sapato que não uso metade do meu guarda-roupa. E virou garota-propaganda de uma casa noturna do apresentador Amaury Jr., o Club A, em São Paulo.

Marina, acreditem, não é só futilidade. Em seu currículo também consta o posto de embaixadora de uma ONG estrangeira chamada Best Buddies, que trabalha com portadores de deficiência mental em vários países. É claro que os companheiros com má vontade encontrarão argumentos para implicar com isso também. A Best Buddies é uma entidade fundada e dirigida por membros da família Kennedy, suprassumo da aristocracia americana. Quando quer chamar a atenção, essa ONG promove eventos em Miami, considerada uma espécie de sede do inferno pela esquerda latina. E também faz parcerias com ícones do capitalismo americano, como o ator e governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger.

Marina Mantega realmente não se enquadra.

Marcelo Soubhia
Época - 09/08/2010

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Sem Lula, qual o limite de Dilma?

Líder nas pesquisas e na arrecadação, a candidata do PT revela em seu primeiro debate ao vivo suas fraquezas quando exposta ao confronto direto

A candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, chegou para seu primeiro debate eleitoral na televisão, na quinta-feira passada, embalada pela liderança nas pesquisas de intenção de voto e pela arrecadação milionária de sua campanha até agora. As últimas pesquisas têm consistentemente mostrado ascensão de Dilma sobre o candidato do PSDB, José Serra no Ibope, ela lidera por 39% a 34%; no Datafolha, está tecnicamente empatada, 1 ponto atrás de Serra (36% a 37%). Os R$ 11,4 milhões oficialmente arrecadados por Dilma traduzem as altas expectativas de seus aliados quanto às chances de a candidata do presidente Luiz Inácio Lula da Silva vencer em outubro. Seus principais adversários, Serra e Marina Silva (PV), não tinham tantos motivos para sorrir ao desembarcar dos helicópteros que os conduziram aos estúdios da TV Bandeirantes, no bairro do Morumbi, em São Paulo. O tucano, segundo colocado nas pesquisas, é o terceiro no ranking da arrecadação, com R$ 3,7 milhões. Marina obteve R$ 4,6 milhões de doações.

É verdade que esse debate tende a exercer uma influência irrisória na próxima rodada de pesquisas de intenção de voto ou no próprio resultado das urnas. Na Grande São Paulo, sua audiência média foi de 3 pontos no Ibope, enquanto a partida de futebol entre São Paulo e Internacional pela Copa Libertadores da América, realizada no mesmo horário, atingiu 31 pontos. Também é verdade que, na saída do debate, muitos petistas comemoravam o fato de Dilma não ter cometido nenhuma gafe grave e de ter saído relativamente ilesa em termos de acusações pessoais. Mas mesmo os petistas reconheciam que seu desempenho, embora longe de desastroso, deixara muito a desejar.

Fora da sombra de Lula e da redoma controlada por seus marqueteiros, cara a cara com os adversários pela primeira vez, Dilma demonstrou, segundo seus próprios partidários, deficiências na articulação de propostas, embaraço com números e insegurança diante das câmeras. Seu desempenho a uma semana do início do horário eleitoral gratuito e obrigatório de televisão, que começa no dia 17 abriu flancos que o PSDB espera explorar. A aposta dos tucanos é que, se Dilma repeti-lo no debate final da campanha realizado pela TV Globo cuja audiência tende a ser mais de dez vezes a registrada no encontro promovido pela Band , será inevitável que Serra conquiste milhões de votos. É uma esperança que se tornou mais plausível diante do que se viu na noite da quinta-feira.

As duas horas e meia de debate foram marcadas por polarização entre Dilma e Serra. Eles se enfrentaram 24 vezes ao longo do programa. Ambos evitaram agressões. Dilma aparentava nervosismo. No começo, gaguejava e tinha problemas de dicção. Só mencionou o presidente Lula maior trunfo da campanha petista no terceiro bloco do programa. Serra conseguiu atrair Dilma para o tema da saúde, o segundo assunto mais comentado pelos debatedores (leia o quadro na última página). Por duas vezes, questionou a interrupção dos mutirões da saúde, implantados quando ele era ministro da pasta no governo Fernando Henrique Cardoso. A primeira vez que Serra trouxe os mutirões à tona foi em torno das 22h30. Uma hora depois, os dois candidatos ainda falavam no assunto. Outra armadilha que Serra montou com sucesso foi a menção ao corte das verbas federais para as Apaes, Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais. Sem conseguir responder na hora à questão, Dilma foi obrigada a retornar ao assunto no bloco seguinte.

Alberto Bombig e Mariana Sanches
Época - 09/08/2010

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A nova vítima de Ahmadinejad

A iraniana Sakineh Ashtiani poderá ser morta a pedradas por suposto adultério, mesmo diante da indignação internacional. O que isso revela sobre o caráter do regime iraniano

Um governo autoritário que se preza deve ter um líder que consiga despistar a comunidade internacional a respeito de assuntos incômodos. Para tanto, ou faz promessas de que está empenhado em solucioná-los ou dá uma justificativa descabida, mas que eventualmente convença um ou outro país. Esse roteiro vem sendo cumprido com eficiência pelo presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad. O último exemplo do faz de conta de Ahmadinejad foi a sequência de explicações do governo sobre uma suposta tentativa de atentado contra o presidente, no dia 4.

Ahmadinejad participava de uma carreata na cidade de Hamedan, no oeste do Irã. Enquanto ele cumprimentava moradores, um barulho de explosão foi ouvido a poucos metros do cortejo oficial. Nas fotos divulgadas pelas agências, nota-se que Ahmadinejad aparece sorridente e, em seguida, se abaixa e recebe a proteção de seguranças. Ao fundo é possível ver fumaça. O site conservador Khabar, ligado ao regime, chegou a afirmar que uma granada caseira teria sido lançada contra um ônibus de jornalistas que acompanhava o comboio. Pouco tempo depois, retirou a nota do ar. Aí veio a festiva versão oficial, dada pela agência Irna.

A explosão nada mais fora do que uma comemoração um pouco mais exaltada de um partidário de Ahmadinejad. De tão feliz com a presença do presidente, soltou um rojão, mas deu um susto em todos porque o lançou na direção dos veículos. Simples assim. Uma pessoa foi presa durante a passeata, mas não se divulgou o motivo.

Ahmadinejad acabou escapando ileso do rojão e da desconfiança internacional sobre o ocorrido. Só não conseguiu dissimular outro episódio, este sim com uma vítima clara: a iraniana Sakineh Ashtiani, de 43 anos. A Corte Suprema do Irã anunciou na semana passada que atendeu a um pedido do Ministério Público para executar Sakineh, mãe de dois filhos. O cumprimento da sentença poderá ocorrer ainda nesta semana, provavelmente por um dos métodos mais brutais ainda em vigor no século XXI: o apedrejamento, aplicado no Irã e em outros países muçulmanos como Afeganistão, Arábia Saudita, Sudão e Nigéria. No Irã, o castigo está previsto desde 1983 no Código Penal Islâmico. As pedras têm de ser grandes o suficiente para causar dor, mas não para matar o réu na hora, diz o documento.

As mulheres condenadas são enterradas em praça pública até a altura do busto. No caso dos homens (a quem a pena é bem mais rara), enterra-se até a cintura, com os braços livres para que eles possam tentar se defender das pedradas. Inicialmente, o crime cometido por Sakineh fora o de manter relações ilícitas com dois homens. Um deles teria matado o marido dela, dois anos antes. Naquela época, diz Sakineh, ela já não vivia junto com o marido. Sakineh foi condenada a receber 99 chibatadas. Paralelamente, outra acusação por adultério correu na Justiça iraniana, e é por essa ação que ela poderá ser apedrejada. A acusação de adultério, porém, foi convertida em assassinato pela Corte Suprema, sem nenhuma apresentação de provas como se a mudança pudesse justificar a pena. Se o tribunal decidisse por não apedrejar Sakineh, seu destino seria não menos trágico: a forca. Ela está há quatro anos presa na penitenciária de Tabriz, ao norte de Teerã. Ameaçado, o advogado dela, Mohammad Mostafaei, tentou fugir para a Turquia, chegou a ser detido e tentaria obter asilo na Noruega. O caso de Sakineh é emblemático sobre como funciona o regime de Ahmadinejad. Desta vez, ele ignorou todos os apelos, sem falsas intenções de dialogar, diz a iraniana Mina Ahadi, coordenadora do Comitê Internacional contra o Apedrejamento. Mina vive exilada na Alemanha.

Mina se refere a uma mobilização mundial pela suspensão da pena de Sakineh. Quase 150 mil pessoas assinaram uma petição de clemência enviada ao governo do Irã, entre elas artistas brasileiros, como Chico Buarque e Caetano Veloso. No Twitter, os internautas criaram a campanha Liga, Lula, pedindo ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva que convencesse Ahmadinejad a rever a medida.

O chanceler Celso Amorim conversou com o ministro iraniano Manouchehr Mottaki sobre o caso, mas não recebeu nenhuma resposta. Em seguida veio a primeira e desastrosa declaração de Lula. Se começarem a desobedecer às leis deles para atender ao pedido de presidentes, daqui a pouco vira uma avacalhação. Diante da indignação geral e da preocupação de não sujar sua imagem às vésperas de uma eleição (leia a reportagem), ele repensou a situação e ofereceu asilo a Sakineh se ela estivesse causando problemas no Irã. Principal suporte de Ahmadinejad na questão do programa nuclear iraniano, na qual até agora o Brasil se recusa a aceitar as sanções das Nações Unidas contra Teerã, Lula estava, ele mesmo, causando problemas ao regime. Ahmadinejad não queria ouvir uma proposta como essa, justamente de um aliado, porque isso jogaria ainda mais o resto do mundo contra ele.

A resposta veio por um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do Irã. O presidente Da Silva tem uma personalidade muito emotiva e humana, disse o oficial, mas provavelmente não tem informação suficiente sobre o assunto. O apelo dele, segundo Teerã, teria sido influenciado pela mídia estrangeira. Segundo o filho de Sakineh, Sajjad, ela lhe teria dito para Lula não se esquecer dela e continuar a negociar com o regime. Na conversa com Sajjad na prisão de Tabriz, ela também teria afirmado que aceita a oferta de asilo no Brasil feita pelo presidente.

Reverter uma pena baseada no Código Penal Islâmico seria visto dentro do círculo de poder dos aiatolás como uma fraqueza de Ahmadinejad diante de pressões ocidentais. Abriria uma brecha para o questionamento da sentença dos outros 23 condenados ao apedrejamento no Irã e, talvez, a outras regras da teocracia local. Quando Ahmadinejad viu o risco que isso traria para sua própria sustentação no governo, não hesitou em colocar Lula na mesma posição de qualquer outro líder ocidental, evidenciando os limites da estratégia brasileira em relação ao Irã.

O drama de Sakineh tem sido comparado à de Neda Agha Soltan, a jovem de 26 anos morta a tiros, supostamente por um agente da polícia política, durante um protesto contra as fraudes nas eleições de junho de 2009, que levaram Ahmadinejad ao segundo mandato. Um ano depois, outra iraniana, Zahra Soltani, trouxe à tona uma tentativa do regime de fabricar a realidade do caso Neda. Professora na mesma faculdade em que Neda estudava, Zahra contou que se refugiou na Alemanha porque teria sido pressionada por agentes do governo a se apresentar em público como Neda. Havia um perfil no Facebook, atribuído a Neda, com a foto de Zahra. Sem saber como se deu o engano, Zahra logo foi identificada como vítima num ato político. O governo quis se aproveitar da confusão para mostrar que Neda estava viva. Eles queriam me usar para mostrar ao mundo que era tudo mentira, afirmou Zahra ao The New York Times.

Se Brasil e Turquia ainda dão o benefício da dúvida ao regime iraniano, a maioria se cansou das duas caras de Ahmadinejad. Em uma entrevista na TV, o almirante Mike Mullen, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas dos Estados Unidos, afirmou que a opção de um ataque militar contra Teerã continua na mesa, em caso de necessidade. Ahmadinejad disse que gostaria de falar com o presidente Barack Obama cara a cara, num debate com transmissão mundial aliás, algo que já dissera antes. Atacar o Irã está longe de ser uma boa ideia, mas é importante saber com quem se está lidando. O verdadeiro Ahmadinejad se reflete nas faces de gente como Sakineh, Neda e Zahra.

Juliano Machado
Época - 09/08/2010

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