domingo, 8 de agosto de 2010

O pagamento “antecipado” ao FMI

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O Brasil se encheu de orgulho em 2005, quando a mídia noticiou o fato histórico da quitação da dívida brasileira com o FMI, ainda mais com dois anos de antecipação. O presidente Lula, como sempre, capitalizou ao máximo tal evento (coincidentemente às vésperas das eleições), aproveitado a ocasião para manifestar sua intenção de emprestar dinheiro ao FMI. “Vocês não acham chique? O Brasil agora vai emprestar dinheiro ao FMI?”, perguntou o presidente aos jornalistas em tom de campanha e de deboche. O fato histórico ajudou Lula a diminuir o impacto da crise do PT pós-mensalão, contribuindo para sua reeleição no ano seguinte.

Mesmo percebendo o objetivo eleitoral do Governo na antecipação da quitação da dívida, a oposição teve que se calar diante de um fato simbólico e tão importante para a auto-estima do povo brasileiro. Mesmo assim, algumas vozes dissonantes na “Imprensa Golpista” questionaram o esforço do Governo em apressar a liquidação de uma dívida que cobrava juros de apenas 4% ano, enquanto que, ao mesmo tempo, o Tesouro continuava a pagar juros superiores a 13% ao ano da Dívida Interna.

O outro lado da história

No mesmo ano do badalado pagamento da dívida com o FMI, o Governo fez diversas operações no mercado financeiro para capitalizar recursos em troca de títulos da dívida brasileira. Além de US$ 4.49 bilhões em títulos da dívida brasileira no exterior, o Governo trocou C-Bonds por A-Bonds no valor de US$ 4,4 bilhões e antecipou o lançamento de US$ 3,5 bilhões em títulos da dívida externa que estavam programados para o ano seguinte. Traduzindo o “economês”, o governo pediu emprestado ao mercado financeiro um total de US$ 12,4 bilhões, um valor bem próximo aos US$ 16 bilhões pagos ao FMI. Ou seja, o governo juntou o valor dos empréstimos com a parcela da dívida programada para o ano de 2005 e criou o factóide da quitação do FMI. Na prática, o governo trocou uma dívida com juros de 4% ao ano por outra com juros entre 8% e 13%.

O mar das dívidas

Assim como os rios correm para o mar, todos os “títulos” vendidos pelo Governo no mercado financeiro são incorporados às dívidas interna e externa. Desde o governo FHC estas movimentações têm se concentrado na dívida interna, a qual não pára de crescer. Abaixo um gráfico divulgado pela Auditoria Cidadã da Dívida que mostra sua evolução nos últimos anos.

fmi1 Fonte: Auditoria Cidadã da Dívida

Embora os dados de 2008 e 2009 ainda não tenham sido computados na tabela, sabe-se que hoje a dívida é ainda maior, pois ainda esta semana a imprensa divulgou que o Governo Federal não conseguiu nem o mínimo necessário para pagar os juros da dívida. Procuramos dados atualizados nos sites do Banco Central e do Ministério da Fazenda, mas não encontramos um gráfico como este, com valores totalizados. Existem duas planilhas relativas à série histórica das dívidas internas e externas iniciadas em 1995, mas as tabelas são tão confusas que fica difícil se chegar a uma conclusão real dos números. A tabela mostra uma enxurrada de números referentes a juros e encargos sem uma totalização final. Tentamos totalizar alguns dados, mas os números não corresponderam aos dados divulgados pelo governo, segundo o qual a dívida interna estaria hoje em torno de 1,46 trilhão de Reais.

A ausência de informações sobre este tema na web mostra como o brasileiro dá pouca atenção ao problema das dívidas públicas, as quais consomem hoje a maior parte dos recursos arrecadados pelo governo.

fmi2 Oficialmente, o governo gastava até 2007 30,7% do orçamento com juros e amortizações da dívida pública. Quando computados os recursos emitidos para o refinanciamento das dívidas este percentual sobe para 53,21%. Com a deteriorização das contas públicas verificadas nos últimos dois anos, certamente este percentual hoje é ainda maior. Abaixo, um gráfico que mostra o drama da divisão do orçamento em 2007.

fmi3 Fonte: Auditoria Cidadã da Dívida

Vale ressaltar que no último ano do governo FHC, o percentual do orçamento gasto com o pagamento de juros e amortizações foi de 45,16%, oito pontos percentuais inferior ao que o governo atual gastou já em 2007, um dos anos mais “brilhantes” do governo Lula.

Traduzindo o “economês”, o refinanciamento da dívida significa renovar as dívidas vencidas com novos prazos e juros, naturalmente. Em outras palavras, significa jogar a responsabilidade para o próximo governo. Tal mecanismo tem se repetido ao longo das últimas décadas com as dívidas externa e interna. A lógica dos governos é a seguinte: não importa o valor da dívida, o que importa é seu percentual em relação ao Produto Interno Bruto – PIB (a soma de todas as riquezas produzidas pelo país).  Por este ângulo, o governo Lula se gaba hoje de ter uma dívida interna correspondente a 43% do PIB, valor inferior ao pico de 1998, quando este percentual chegou a 55% no auge da seqüencia de crises internacionais do segundo governo FHC.

Por esta lógica, o governo atual teria ainda 12% de margem para se endividar, pois o parâmetro é sempre o governo FHC. Ou seja, não importa se a dívida da época era de 645 bilhões e hoje é de 1,45 trilhões. O que importa é capacidade do governo em “honrar seus compromissos”, mesmo que estes consumam mais da metade do nosso orçamento.

É com este pensamento que o Governo programa a emissão de títulos das dívidas (novos empréstimos). A antecipação do lançamento dos títulos que serviram para “pagar” a dívida do FMI é apenas um exemplo de como o governo programa seus orçamentos. Em outras palavras, a “emissão de títulos” tornou-se uma das fontes de recursos do Governo, principalmente nos períodos pré-eleitorais.

Mais uma contradição

Ao revelar sua disposição em emprestar dinheiro ao FMI, o governo Lula faz exatamente aquilo que criticava quando oposição. Ao passar da condição de devedor à credor do FMI, na prática o governo Lula se coloca na posição de explorador dos países aos quais o FMI vai emprestar nosso dinheiro.

 


 

O novo credor internacional

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Logo após o “pagamento” da dívida com o FMI o Governo Lula anunciou um novo fato histórico: o Brasil tinha reservas superiores à dívida externa, tornado-se um novo credor internacional. A notícia divulgada de forma sensacionalista por alguns meios de comunicação ganhou ainda mais força na Internet. Os defensores incondicionais de Lula invadiram as seções de comentários dos grandes portais e blogs exaltando o governo que tinha “liquidado a dívida externa”. Nos eternos comícios de Lula o já famoso “nunca na história deste país” era usado e abusado para alfinetar a oposição que nada havia feito em oito anos de governo, a não ser endividar o país.

Abaixo um dos gráficos publicados nos jornais “com dados do Banco Central”, que “provavam” que a dívida externa havia sido paga.

fmi5 Fonte: Gazeta do Povo

O outro lado da história

Como no episódio da quitação da dívida com o FMI, a visão geral do processo só vem com o tempo e aí então percebemos que a “boa notícia” era, na verdade, mais um factóide de cunho eleitoreiro. Da mesma forma que o Governo trocou uma dívida barata como a do FMI, com juros de 4% ao ano, por outras com juros bem maiores (entre 8 e 12.75%), no suposto “pagamento” da dívida externa ocorreu algo parecido.

Primeiro é preciso deixar bem claro que a dívida externa continua intacta. Não só não foi paga, como ficou ainda maior mesmo depois do pagamento antecipado da pequena parte da dívida do FMI de 15,5 bilhões, conforme mostra o gráfico abaixo.

fmi6 Fonte: Auditoria Cidadã da Dívida

Como todos podem ver, os dois gráficos apresentados acima são contraditórios. O primeiro trata-se de uma manipulação de dados, supondo que a dívida teria sido paga com as reservas internacionais, o que não ocorreu.

Hoje a divida externa está aparentemente “controlada” e não está mais crescendo como antes porque perdeu atrativo já que os “investidores” mudaram o foco para os títulos da dívida interna brasileira, cujos juros são bem mais expressivos (além de contar com incentivos do Governo como a isenção de impostos, por exemplo). Como resultado deste processo, o governo estacionou a dívida externa, enquanto que a dívida interna subiu de R$ 623 bilhões no final do governo FHC para R$ 1,4 trilhão em agosto de 2009.

Um péssimo negócio

Para quem não sabe, as definições clássicas das dívidas externa e interna diziam que a primeira era cobrada em Dólares por credores estrangeiros, enquanto que a segunda era cobrada em Reais por credores nacionais. Isto foi verdade em algum momento da nossa história. Hoje, no entanto, a “sofisticação” do mercado financeiro tornou as dívidas muito parecidas, de forma que agora existem credores estrangeiros da dívida interna e títulos da dívida externa sendo vendidos em Reais.

Em outras palavras, o que houve de fato foi uma migração do capital especulativo da dívida externa para a dívida interna, só que com um custo bem mais alto para o Brasil. Um pequeno exemplo citado pela Auditoria Cidadã da Dívida Externa ilustra bem a afirmação:

“Em 2007, o Real se valorizou 20% frente ao dólar. Portanto, o investidor estrangeiro que no início de 2007 trouxe dólares para aplicar na dívida interna brasileira ganhou, durante o ano, 13% em média de juros, e mais 20% quando converteu seus ganhos em dólar. Portanto, em 2007, os estrangeiros ganharam uma taxa real de juros (em dólar) de mais de 30% ao ano!”

Para agravar ainda mais o quadro caótico da evasão de divisas, é preciso deixar bem claro que parte das reservas cambiais brasileiras em dólares é aplicada em títulos do governo americano que paga juros cada vez menores. Com a queda do valor do Dólar em todo mundo, na prática, os juros dos títulos da dívida americana tornaram-se negativos para o Brasil. Em outras palavras, o Brasil paga para emprestar dinheiro aos EUA, mesmo com mais da metade do que o Governo brasileiro arrecada comprometido com juros e com renovações de dívidas antigas. Dá prejuízo, mas na ótica do presidente Lula é “chique” emprestar dinheiro. Talvez aí esteja a explicação por Lula ter sido apontado por Obama como “o cara”. Afinal, quem em sã consciência emprestaria dinheiro quando mais da metade de sua receita está comprometido com dívidas?

Os “méritos” do Governo no acúmulo de reservas cambiais

Depois da sequencia de crises internacionais que comprometeram o segundo governo FHC e da “Crise Lula” que fez o Dólar bater a casa dos 4 dólares às vésperas da eleição de 2002, a economia brasileira pôde finalmente gozar de um longo período de estabilidade e crescimento contínuo da economia mundial a partir de 2003. Em cinco anos as reservas cambiais brasileiras (saldo de Dólares que entram no país) pularam de US$ 30 bilhões, no final do Governo FHC, para 178 bilhões em 2007 chegando ao recorde de 205 bilhões em 2009.

Estes números, no entanto, inflacionam os méritos do Governo, uma vez que sua contribuição para este crescimento é mais maléfica do que benéfica. Vejamos:

O gráfico abaixo mostra o fluxo de dólares que entraram no país, responsável pelo acúmulo recorde de reservas cambiais das quais tanto se orgulha o Governo Lula.

fmi7 Fonte: Auditoria Cidadã da Dívida

O gráfico nos mostra que tanto o saldo comercial quanto a valorização da bolsa de valores são méritos exclusivos do setor privado. Ao Governo coube o imenso fluxo de empréstimos de dólares com a venda de títulos da dívida pública brasileira. Como resultado deste processo, a dívida externa que tinha baixado para menos de U$ 200 bilhões com o pagamento “antecipado” da dívida do FMI aumentou para US$ 243 bilhões já em 2007, enquanto que a dívida interna aumentou 40%, chegando a R$ 1,38 trilhões na mesma época.

Explicando a “mágica” das reservas cambiais recorde:

  • US$ 40 bilhões entraram no Brasil como resultado do saldo positivo da balança comercial (diferença entre exportações e importações) impulsionado pela valorização no mercado internacional dos principais produtos de exportação do Brasil (comodities).
  • US$ 28 bilhões entraram no Brasil em investimentos na Bolsa de Valores, impulsionados principalmente pela valorização das ações de grandes empresas nacionais que se fundiram e ganharam mercado internacional, além das mega empresas Vale (que chegou ao posto de 2º maior mineradora do mundo) e Petrobrás que teve suas ações ainda mais valorizadas com a descoberta do Pré-sal e a alta do preço do barril de petróleo.
  • US$ 80 bilhões entraram no Brasil através da compra de títulos das dívidas interna e externa (leia-se empréstimos do Governo ao mercado financeiro).

Somando-se, portanto, o total de US$ 148 bilhões resultante da soma dos três fatores acima citados com os US$ 30 bilhões de reservas deixados pelo Governo FHC chegamos aos comemorados US$ 178 bilhões de reservas em dezembro de 2007 (hoje US$ 205 bilhões), um dos maiores “trunfos” do Governo Lula, um dos maiores “diferenciais” em relação ao seu antecessor FHC.

Bom, se o governo já tinha o dinheiro para pagar a dívida externa, faltava apenas tirar o dinheiro da “poupança” e repassar aos gringos. Até hoje, no entanto, isso não foi feito e nem será nem neste nem no próximo Governo.


Da insinuação à mentira em cadeia nacional

No post anterior, falamos das insinuações do Governo Lula sobre o suposto pagamento da dívida externa com as reservas cambiais. No último domingo, véspera do 7 de setembro, o Presidente da fmi8 República foi além das insinuações e afirmou com todas as letras: “Não só pagamos a dívida externa, como acumulamos reservas de 215 bilhões de dólares”.

Bom, o Governo deve ter feito uma mágica para pagar a dívida externa em segredo, pois, dois meses antes, o próprio Governo divulgou mais um aumento da dívida externa que chegou em julho de 2009 ao recorde de US$ 267,482 bilhões - contando com os US$ 71,585 bilhões de empréstimos intercompanhias das multinacionais a suas subsidiárias no país (ver matéria no Valor Econômico).

Vale salientar que hoje a dívida já deve ter sido acrescida de mais alguns bilhões, pois ainda nesta semana o Governo conseguiu mais € 4.3 bilhõe em empréstimos a bancos europeus (Fonte: Blog do Álvaro Dias )

A apoteose da ignorância

O fato mostra como o presidente aposta na ignorância do povo. Certamente hoje milhões de brasileiros menos esclarecidos devem estar orgulhosos do país que conseguiu pagar a famosa “dívida impagável”. Afinal, quem vai duvidar de uma afirmação tão incisiva em cadeia nacional proferida por um Presidente da República?

Caberia a imprensa apontar tal absurdo, mas já estamos no fim de semana e até agora nenhum único comentário, nem uma simples alusão, mesmo entre os comentaristas econômicos. Nem mesmo o Observatório da Imprensa, normalmente tão atento aos deslizes do jornalismo tupiniquim, citou o fato.  Conclusão: o brasileiro não dá a menor importância para a dívida pública! (e Lula se aproveita disso)

Já vi este filme!

É com esta percepção, que o Governo continua na trajetória ascendente de endividamento, perpetuando o ciclo vicioso que compromete mais da metade da nossa receita com pagamento de juros e amortizações de dívidas. Da mesma forma que ocorreu nas eleições de 2006, quando as dívidas externa e interna explodiram (coincidentemente após as eleições de 2006), em 2010 a história segue na mesma direção.

Em 2005 e 2007 a dívida interna foi aumentada em 40%, enquanto que a dívida externa aumentou quase 20% no mesmo período.  (ver gráficos da segunda parte deste artigo).

Ao que tudo indica, teremos mais alguns bilhões de acréscimo nas nossas dívidas nos próximos anos. Na semana passada, o Governo anunciou a proposta de Orçamento para 2010 que prevê aumentos substanciais em todos os setores, especialmente para o PAC, que deverá receber em um só ano o equivalente a tudo o que foi investido em quase três anos de programa! Com isso, o Governo Lula tenta “desempacar” o PAC que, segundo o portal Contas Abertas, em quase três anos investiu apenas 7% do que foi prometido.

O festejado “Minha Casa, Minha Vida” também segue na mesma linha. Lançado com estardalhaço típico do Governo Lula com o objetivo de construir 1 milhão de casas, o programa que estava devagar quase parando até então, será intensificado em 2010 com recursos da ordem de $10 bilhões. Claro que este orçamento é irrisório diante do objetivo de 1 milhão de casas prometidos, mas o Governo pretende aprovar “mais de 700 mil projetos” este ano. Que fique bem claro que se trata de “aprovações”, não construções. Estas, claro, serão repassadas para o próximo governo.

O Bolsa-Família, principal cabo eleitoral do Governo, terá também um aumento no numero de pessoas atendidas, passando dos atuais 11 milhões para 12,7 milhões.  Isto sem falar no já expressivo reajuste acima da inflação em 2009, em plena crise mundial.

Para evitar qualquer obstáculo em seu projeto eleitoral, o presidente vetou 19 artigos da Lei de Diretrizes Orçamentárias, entre os quais os que limitavam as despesas com publicidade e com viagens (fonte: Globo.com)

Curiosamente, um dos poucos orçamentos que não aumentaram no próximo ano é da publicidade. Olhando os gráficos da evolução dos gastos nesta área, no entanto, percebemos o porquê da “surpresa”. Na verdade, os gastos já foram aumentados significativamente desde o início do Governo Lula, conforme mostra o gráfico abaixo.

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Em outro gráfico, também publicado na Folha de São Paulo, fica evidente a preocupação do Governo com a própria imagem. Embora os recursos aqui sejam empregados teoricamente na “democratização” das informações do Governo, na prática, funcionam também como publicidade oficial.

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A mobilização do Governo em torno do seu projeto eleitoral se reflete também nos gastos na estrutura da Presidência. Hoje Lula tem o dobro de funcionários do presidente norte-americano. O número, que já era alto desde o Governo FHC, aumentou mais 57% na era Lula, chegando a incríveis 3.431 funcionários. (Ver matéria publicada no Estadão)

O gráfico abaixo mostra a evolução dos gastos da Presidência, que em 2009 chegaram a ultrapassar os orçamentos da Câmara de Deputados e do Senado. E olha que nosso Senado é o mais caro do mundo. Segundo a ONG Transparência Brasil, um senador brasileiro custa o dobro de um norte-americano.

fmi11Fonte: STN - Ministério da Fazenda

Os gastos com o cartão corporativo (motivo de vários escândalos nos últimos anos) também refletem o descontrole do Governo com os recursos públicos.

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Fonte: Transparência Brasil

Para fazer frente a tais gastos (que incluem outros generosos aumentos de salários do funcionalismo, uma importante militância na hora do voto), a matemática do Governo conta com o aumento recorde da arrecadação de 15,5% (11% de aumento real + 4,5% de inflação).  Também aqui, quase nenhum questionamento da imprensa, pois, como pode a arrecadação aumentar 15% em um ano em que a previsão de crescimento do PIB é de 4,5%?

Certamente a conta não vai fechar e a diferença mais uma vez será incorporada a astronômica dívida interna (o imenso cartão de crédito do Governo), que deverá atingir a casa de R$ 1,6 trilhão em 2010 (isso na visão mais otimista, considerando a média de evolução dos últimos anos e sem considerar o ano eleitoral). Para isto contribui a redução do superávit primário (percentual do orçamento reservado para o pagamento de juros da dívida) que passou a ser deficitário desde junho deste ano, algo inédito tanto nos governos Lula, quanto no governo FHC. Ou seja, já não está dando para pagar nem mesmo os juros do “cartão de crédito” da dívida.

Herança maldita

Além da dívida pública astronômica, o Governo Lula vai empurrar para o próximo presidente a “bomba” do aumento dos aposentados, que deverá onerar os cofres públicos em mais de 50 bilhões. Como se não bastasse, o novo presidente vai herdar o compromisso de aumentos escalonados concedidos ao funcionalismo público em plena crise, o qual deverá onerar os cofres públicos em mais de 10 bilhões a cada ano, chegando a R$ 16 bilhões em 2014. Isto sem falar nos US$ 20 bilhões que serão investidos na compra dos aviões e porta-aviões que estão sendo negociados com a França e com os bilhões de investimentos que serão necessários para tocar os projetos do Pré-sal.

Emprestando o que não temos

Mais difícil de digerir tamanha irresponsabilidade com o uso dos recursos públicos, o Governo ainda consegue tirar do já deficitário orçamento alguns bilhões para emprestar aos nossos problemáticos vizinhos. Depois de levar calotes da Bolívia, do Equador e do Paraguai, o Presidente Lula já fechou acordos para emprestar alguns bilhões para a Argentina, para o FMI e até para Hugo Chaves.  Com isso, o presidente aumenta seu prestígio internacional. A conta, claro, vai para os próximos governos. Ou seja, para os nossos filhos e netos.

Investindo na “poupança” de juros negativosfmi13

Na segunda parte desta série de artigos mostramos como o Brasil chegou a acumular as reservas cambiais recorde das quais o Governo Lula tanto se orgulha. Hoje as reservas estão ainda maiores. Se o presidente não mentiu também sobre este assunto no seu último pronunciamento (ver artigo anterior sobre a grande mentira sobre o pagamento da dívida externa), as reservas hoje estariam na casa dos US$ 215 bilhões!

Bom, levando em conta que hoje metade da arrecadação do Tesouro está comprometida com o pagamento de juros e rolagens das dívidas interna e externa, então a primeira pergunta que surge é: por que o Governo não paga uma parte das dívidas com as reservas cambiais recorde?

Esta seria a lógica para qualquer pessoa que tivesse uma poupança que rendesse juros baixos (reservas cambiais) e ao mesmo tempo um compromisso mensal com uma dívida que levasse metade do seu salário (dívida pública). Mas, claro, as coisas não são tão simples assim quando o assunto é macroeconomia.

O outro lado das reservas

Diferente do que o Governo tenta passar para a sociedade, as reservas cambiais não são exatamente uma “poupança”. As reservas internacionais brasileiras hoje são provenientes de três fontes: 1) O saldo da balança comercial; 2) Dólares investidos na Bolsa de Valores; e 3) Compra de dólares pelo Banco Central (a maior parte proveniente da emissão de títulos da dívida interna, ou seja, empréstimos).

Fazendo uma analogia com um banco comum, isso significa que, embora o dinheiro esteja em caixa, o banco não pode utilizá-lo (pelo menos totalmente), pois a maior parte dos recursos (saldo da balança comercial + dólares investidos na bolsa de valores) não pertence de fato ao banco.

O outro motivo (a explicação oficial do Governo) é que as reservas cambiais são importantes para reduzir a taxa de risco do país, as quais têm um efeito psicológico importante para o mercado financeiro, principalmente em momentos de crise. O argumento é verdadeiro, embora seja também utilizado como uma cortina de fumaça para esconder a real impossibilidade do uso de tais reservas para pagar a dívida externa, como o Governo tem insinuado.

O custo das reservas

Diferente de uma poupança que rende juros, as reservas cambiais brasileiras, na verdade, oneram os cofres públicos. Isto acontece devido à diferença de remuneração em Dólar (em média 3,50% ao ano) e em Real (em média 13,00% até a crise de 2008). Ou seja, assim como no caso do “pagamento” da dívida com o FMI, é como se o Governo recebesse os juros baixos do Dólar e pagasse os juros elevados dos reais correspondentes. Em outras palavras, o Governo paga para manter a poupança das reservas internacionais.

Segundo estimativas do Banco de Compensações Internacionais (BIS), o Brasil perde em média o equivalente a 1% do PIB por ano para manter as reservas (ver matéria publicada no G1). Traduzindo isto em números, o Brasil teria perdido em 2008 algo em torno de R$ 29 bilhões só para manter as reservas cambiais de US$ 205 bilhões.

Um novo ralo para o nosso dinheiro

O bom momento da economia brasileira nos últimos anos (além das altas remunerações dos títulos da dívida interna) provocou a entrada de uma enxurrada de dólares no país. No final de 2007 o estoque de todos os recursos estrangeiros no Brasil chegou a incríveis US$ 939,1 bilhões! (Ver reportagem no Estadão)

A princípio, parece uma boa notícia. No entanto, o tal “investment grade” implica em uma nova forma de evasão de divisas do país. Descontando-se o estoque de investimentos de brasileiros no exterior (que somava US$ 365 bilhões no mesmo ano), o Passivo Externo Líquido (PEL), fechou 2007 em US$ 574,1 bilhões (diferença entre os dólares estrangeiros no Brasil e os dólares brasileiros no exterior), uma alta de 49,35% em relação ao no anterior. Como resultado, deste passivo, a remessa de lucros para o exterior quadruplicou. Ou seja, em 2007 saíram do Brasil US$ 20 bilhões em remessas de lucros, dividendos e royalties!

O lado bom desta entrada de recursos são os investimentos estrangeiros diretos (IED), os quais são voltados para a produção. A maioria dos dólares, no entanto (US$ 509,6 bilhões em 2007) concentram-se em aplicações em ações e renda fixa. E é aí onde mora o perigo, pois os mesmos dólares que ajudam a inflar as reservas cambiais citadas acima podem, em um momento de crise, deixar o país rapidamente, criando um efeito bola de neve.

Outro lado negativo desta entrada capitais externos é a supervalorização do Real frente ao Dólar, que dificulta as exportações e forçam o Banco Central a comprar ainda mais dólares, os quais se somam às reservas cambiais, aumentando ainda mais o custo do Tesouro Nacional na manutenção de tal “poupança”. Fecha-se aí mais um círculo vicioso.

Mais uma anomalia da nossa economia

Claro que as reservas são importantes para tranqüilizar a economia em eventuais crises.  Isto, aliás, foi provado na crise atual. O problema é que no Brasil a manutenção das reservas tem um custo muito elevado devido aos altos juros praticados no país. Então a pergunta que fica é “Se os nossos indicadores econômicos estão tão bons, por que os juros do Brasil têm que ser os mais altos do mundo?

Esta contradição mostra que alguma coisa está errada na nossa economia. O argumento do Governo de que as taxas devem permanecer nas alturas serviu para os tempos de estabil ização na era FHC, quando o principal desafio do Governo era derrotar de vez a inflação, ainda mais em tempos de crises. Com a consolidação do crescimento da economia na era Lula, a queda das taxas de juros deveria ser uma obsessão do atual Governo. No entanto, o que vemos ao longo seis anos e meio, com um cenário extremamente favorável e sem crises, foi uma queda tímida da taxa Selic, conforme pode ser verificado no gráfico abaixo.

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Só a partir da crise mundial de 2008 é que o Banco Central foi forçado a baixar os juros da taxa Selic com o objetivo de atenuar os efeitos da recessão. Ou seja, foi preciso uma crise de proporções mundiais para que finalmente a taxa Selic chegasse aos históricos 8.75% em meados de 2009. Viva! Deixamos finalmente o posto de pais com os juros mais altos do mundo e passamos ao quarto lugar da lista!

Ainda assim, em um dos piores momentos da crise, no dia 24/10/2008, o governo chegou a oferecer juros de 18,56% ao ano para rolar parte da dívida interna, enquanto a taxa Selic já havia baixado para 13,75%. Ou seja, a queda da taxa Selic ajuda a estancar a sangria de juros da dívida interna, mas seus efeitos são limitados, pois existem várias taxas utilizadas nos diversos títulos da dívida interna.

Isto mostra que para combater o verdadeiro câncer do Brasil, a sangria dos nossos recursos com o pagamento de juros e rolagens de dívidas, que levam mais da metade da nossa arrecadação, é preciso muito mais que baixar a taxa Selic. Esta, aliás, deveria ser a principal preocupação do atual Governo. Infelizmente isto não acontece porque o Governo está mais interessado em mostrar obras para a população e garantir assim sua popularidade.

Nesta lógica, mais importa pegar mais dinheiro emprestado para criar mega-projetos eleitoreiros e vender a ilusão de que tudo vai bem ao invés de apertar o cinto e preparar melhores condições para o futuro. A conta, claro, vai para os os próximos governos. Se for da oposição, pior para eles, pois terão que arcar com as faturas do “cartão de crédito” da dívida pública.

Abusando da sorte

Enfim, resolver o problema financeiro exige austeridade fiscal e controle nos gastos, exige do Governante que priorize o país, ao invés de projetos pessoais políticos. O Governo atual tem tido muita sorte, até mesmo na única crise que enfrentou. Em crises bem menores, na era FHC, os dólares dos especuladores fugiam em massa, forçando o Governo a queimar bilhões de dólares para segurar o Real e evitar a disparada do Dólar. Desta vez, os dólares não fugiram, não por méritos do Governo, mas porque não tinham para onde fugir, uma vez que pela primeira em décadas todo o primeiro mundo entrou em crise.  Desta vez, ao invés de aumentar os juros para evitar a inflação decorrente da desvalorização do Real, o Governo teve um problema agradável de resolver: baixar a taxa Selic para evitar a recessão, uma vez que não existiram pressões inflacionárias.

Como saldo final, a crise foi até benéfica para o Brasil, pois além de forçar a queda da taxa Selic, melhorou ainda mais nossa posição no cenário internacional. Também não por méritos do Governo, pois as economias menos atingidas foram justamente as mais periféricas, com menos interligações com o foco da crise: o primeiro mundo.

A queda dos juros, infelizmente, ainda não foi suficiente para compensar as novas dívidas que o Governo tem contraído não só para enfrentar a crise, como para tocar seu projeto eleitoral. Mas, afinal, em quanto está a dívida interna atual?

Bom esta pergunta vamos deixar para responde no próximo artigo da série, uma vez que existem alguns aspectos obscuros na divulgação dos números do Governo. Como sempre, a coisa é muito pior do que parece.


Uma guerra de números

No terceiro artigo desta série citamos um dos mais lamentáveis exemplos do descaso do povo brasileiro com as contas do Estado, quando chegamos ao cúmulo do absurdo do Presidente da República em um pronunciamento fmi15oficial mentir descaradamente ao afirmar ter pagado a dívida externa, contrariando até mesmo sua própria equipe econômica, que havia divulgado mais um recorde da dívida externa, dois meses antes.

A desinformação sobre este assunto, infelizmente, não é “privilégio” da população. A própria imprensa parece ignorar o assunto, se limitando a divulgar pequenas notas desconexas sobre os relatórios divulgados de forma manipulada pela equipe econômica.

Se hoje alguém pesquisar no Google, por exemplo, a frase “gráfico sobre a evolução da dívida publica”, vai encontrar uma série de links com informações desatualizadas, a maioria referente era FHC. O primeiro link que traz alguma informação um pouco mais atualizada, modéstia à parte, é o nosso blog, já lá pelo final da primeira página.

Um país que tem metade de suas receitas comprometidas com o pagamento de juros e rolagens de dívida, o mínimo que se esperava dos meios de comunicação era um acompanhamento ostensivo de tais números, oferecendo à população gráficos atualizados sobre a evolução das dívidas externa e interna.

Procurei nos principais portais do país algum link específico sobre a dívida pública e não encontrei absolutamente nada, nem mesmo entre os portais especializados em economia, como o Valor Econômico, por exemplo. Nas buscas internas de cada site, apenas notícias esporádicas reproduzindo os boletins divulgados pela equipe econômica e só.

Divergências e mais divergências

A omissão da imprensa se mostra ainda mais grave pela demanda existente na Internet sobre o assunto. No Yahoo Respostas, por exemplo, existem várias perguntas sobre as dívidas interna e externa, as quais trazem respostas as mais divergentes possíveis, o que alimenta ainda mais os boatos sobre o “pagamento da dívida externa”.

Mas o que mais impressiona nisso tudo são divergências de números até mesmo entre especialistas. Os dados divulgados pela Auditoria Cidadã da Dívida (ONG que desde o início da década acompanha os números da dívida) de um modo geral são um pouco maiores que os números oficiais divulgados pela imprensa. Segundo a ONG, a dívida interna brasileira teria chegado a incríveis R$ 1,6 trilhão em janeiro de 2009, número bem superior aos R$ 1,264 trilhão, divulgados pelo Governo na mesma época.

Vejam bem, estamos falando de uma ONG que atualmente fornece dados para a recentemente instalada CPI da Dívida. Não se trata de nenhum blogueiro ou curioso qualquer. É uma entidade que reúne uma equipe de especialistas, que recebe apoio de entidades de grande reputação, como a CNBB, por exemplo, e que mostra dados que divergem dos dados oficiais do Governo. No mínimo, a imprensa deveria repercutir estas divergências.

Mais assustadores ainda que os números divulgado pela Auditoria Cidadã da Dívida são os dados divulgados pelo economista Ricardo Bergamini. Para quem não o conhece, Bergamini tem extensão em Engenharia Econômica pela UFRJ, um MBA Executivo em Finanças pelo IBMEC/RJ e é membro da área internacional do Lloyds Bank. Ou seja, não é qualquer um. Segundo seus cálculos, a dívida interna brasileira seria de R$ 1,75 TRILHÃO em março de 2009 (ver artigo aqui).

Tentando explicar o inexplicável

Em meio a tanta divergência, decidi eu mesmo checar diretamente os números da dívida nos relatórios oficiais do Governo, disponíveis no site do Tesouro Nacional (quanta pretensão, não? rsrsrsrrs)

Minha primeira surpresa foi constatar a disponibilidade apenas dos relatórios dos últimos oito anos, como pode ser visto aqui. Outra decepção foi constatar a falta de padronização na divulgação dos dados, os quais variam pelo menos a cada três anos, infelizmente para pior. Além de alterações nas estruturas das tabelas, os relatórios apresentam nomenclaturas diferenciadas, alteram a hierarquia das informações e até mesmo os formatos dos arquivos.

Ou seja, só mesmo especialistas para entender. Como não sou economista, vou ficar apenas nas minhas impressões. O que posso afirmar é que parece haver uma intenção do Governo em confundir os dados da dívida externa com os dados da dívida interna. Aliás, o termo “dívida externa” no site do Tesouro Nacional é cada vez mais raro. Ele é identificado apenas por siglas, entre as quais DPFe  (Dívida Pública Federal Externa) e DET (Dívida Externa Total).

Ao analisar os relatórios até 2006 notamos que estes se referem especificamente à dívida interna. Os dados conclusivos são apresentados logo na primeira tabela de forma clara e objetiva, conforme mostra a figura abaixo (referente ao mês de dezembro de 2001).

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A partir de 2007, no entanto, os dados referentes às dívidas interna e externa passaram a ser divulgados em um único relatório, agora intitulado “Dívida Pública Federal”. Talvez aí esteja a “explicação” para a afirmação categórica do Presidente Lula quanto ao pagamento da dívida externa. Afinal, ela parece ter mudado de nome. Agora é apenas uma parte da “Dívida Pública Federal”, cuja maior parte cabe a dívida interna.

Compare agora o relatório anterior com a tabela que resume a Divida Pública Federal de 2008 (clique na imagem para ampliá-la).

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Note que a totalização agora é feita no topo (fato incomum em contabilidade). Abaixo, é feito o detalhamento dos títulos das dívidas interna e externa, cuja soma leva ao total da dívida.

Na mesma tabela, um pouco mais abaixo (como se fosse a continuação do detalhamento), aparecem os dados referentes ao “DPMFi EM PODER DO BANCO CENTRAL” (títulos em poder do Banco Central), valores que em 2008 somavam R$ 494 bilhões. É importante observar que embora estes dados façam parte da mesma tabela, o enorme valor não está incluído na totalização apresentada no topo da tabela.

Talvez aí esteja a chave (ou uma das chaves) para a compreensão das divergências apontadas acima. Reconheço minhas limitações nesta área, mas jogo a discussão para os especialistas que porventura venham ler este humilde artigo.

Um fardo pesado demais para ser ignorado

Com tanta confusão de números, a impressão que os relatórios atuais divulgados pelo Governo são feitos mais para confundir do que para explicar. Quaisquer que sejam os números verdadeiros, no entanto, a dívida pública brasileira é cara demais para ser tratada como um mero indicador financeiro.

Segundo dados da CPI da Dívida, apenas nos governos dos dois últimos presidentes, a dívida interna brasileira aumentou 28 vezes, apesar de 1995 a 2008 o governo federal ter gasto R$ 906,6 bilhões com juros e R$ 879 bilhões com amortizações das dívidas interna e externa públicas. E olha que nesses extraordinários montantes não estão incluídos quase R$ 4 trilhões de rolagem da dívida através da emissão de títulos públicos.

Dados estarrecedores como estes, no entanto, não encontram na mídia o espaço que deveriam. Aliás, muito pouco ou quase nada se fala sobre esta CPI que deveria ser a mais importante já realizada no país. Em um mundo onde a informação e a exigência pela transparência com os gastos públicos são cada vez maiores, o Brasil, infelizmente, parece estar na contramão deste processo, contando com a indiferença da população e da imprensa.


 

Um mar de dívidas

No último post desta série, levafmi18ntei alguns questionamentos sobre os números divulgados pelo Governo sobre a dívida pública. Neste e no próximo post, vamos nos aprofundar um pouco nesta questão, pois constatamos divergências até mesmo entre os dados divulgados entre os órgãos federais.

No caso da dívida interna, por exemplo, os dados divulgados pelo Tesouro Nacional e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) divergem em alguns bilhões a cada ano, chegando a apresentar em 2007 uma diferença de R$ 161 bilhões!

Diante da impossibilidade, portanto, de chegar a uma conclusão final sobre quais são os dados corretos das dívidas atuais, criamos então o gráfico abaixo com base nos dados fornecidos pelo Tesouro Nacional (gráfico azul), pelo IPEA (verde) e pela Auditoria Cidadã da Dívida (vermelho). E olha que deixamos de lado outras versões da dívida, como a do economista Ricardo Bergamini, citado no post anterior.

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Vale salientar que os dados do Tesouro Nacional só iniciam a partir do ano 2000, conforme pode ser verificado aqui. Em relação aos dados da Auditoria Cidadã da Dívida, incluímos apenas os três últimos anos, pois nos gráficos divulgados pela ONG não aparece a série histórica ano a ano em forma de tabela. Isto significa que para buscar os dados de cada ano, teríamos que deduzir de forma aproximada pela escala do gráfico, o que, convenhamos, não seria um procedimento muito recomendável, uma vez que daria margem a questionamentos. Os três dados divulgados, portanto, fazem parte das investigações da CPI da dívida pública, divulgados principalmente pelo deputado Ivan Valente, conforme pode ser constatado aqui.

Observe no gráfico que as maiores divergências surgem justamente a partir de 2007, quando o relatório das dívidas interna e externa foram unificados.

Acelerando o endividamento

Apesar do Governo minimizar o problema da dívida, alegando que esta está sob controle, o que o gráfico revela é que o crescimento da dívida é cada ano mais acelerado.  E olha que as perspectivas para os próximos meses são ainda piores, pois o Governo entra no ano eleitoral aumentando consideravelmente os gastos em todos os setores.

Oficialmente, o rombo no orçamento de 2010 está estimado em R$ 8,4 bilhões, isto contando que o Governo terá uma arrecadação recorde para 2010 e que nenhum imprevisto venha a acontecer nos próximos meses. Estudo produzido pela Consultoria de Orçamento da Câmara, no entanto, já revela que o rombo inicial já é de R$ 35 bilhões! (ver matéria e relatório publicados no Globo).

Como sempre, o Governo fica com o bônus dos anúncios dos megaprojetos e joga a bomba para os outros. Para tentar diminuir o défict, uma vez que Lula não abre mão de diminuir o orçamento triplicado do PAC no ano eleitoral, os congressistas (e até mesmo governadores) estão sendo pressionados a cortar gastos. Na prática é tudo um jogo de cena, pois a “solução” já é apontada pelo próprio Governo: a recriação do novo imposto do cheque, o agora rebatizado CSS.

Mas mesmo com a aprovação do novo imposto e com a taxação da poupança, as contas estão longe de fechar, pois o Governo deixou de incluir no orçamento despesas das quais tem “empurrado com a barriga” até aqui, mas que dificilmente conseguirá escapar em 2010.  Uma das principais é o repasse aos governos estaduais dos recursos previstos na Lei Kandir, reduzidos de 50% no Governo FHC para 17% no Governo Lula. Como retaliação, alguns governadores, como Aércio Neves, por exemplo, já ameaçam suspender a desoneração do ICMS sobre exportações, o que teria efeitos negativos sobre o setor exportador brasileiro, um dos principais pilares de sustentação do crescimento da economia brasileira nos últimos anos e que poderia diminuir a arrecadação recorde esperada pelo Governo para 2010. (ver matéria publicada no Estadão)

Outras despesas certas que não foram previstas são os reajustes dos aposentados que ganham acima do mínimo e o reajuste do teto do Judiciário (que certamente vai provocar o famigerado efeito cascata), além das famosas emendas dos parlamentares que o Governo incrivelmente ignorou em pleno ano eleitoral.  Mais um jogo de cena: como sempre, o Governo vai usar tais emendas como moeda de troca nos momentos finais da aprovação do orçamento, jogando a bomba para a carta coringa do Governo: os títulos da dívida interna. Resultado, mais alguns pontinhos no gráfico acima.

E olha que o Governo Lula vai terminar empurrando para o próximo Governo um bomba que está há anos prestes a explodir: a extinção do fator previdenciário.  Criado em 1999 pelo Governo FHC, o famoso fator previdenciário ajudou a controlar o astronômico e crescente défict da previdência que já contabilizava R$ 24 bilhões nos primeiros seis meses de 2009 (Ver matéria no Estadão). Quando oposição, o PT fez de tudo para barrar a aprovação do projeto. No Governo, Lula fez de tudo para barrar o projeto de extinção do fator previdenciário de autoria do senador Paulo Pain (ironicamente do PT).

Mais endividamento a longo prazo

No cenário descrito acima não foi ainda incluído nenhum centavo para a construção e reforma dos estádios da Copa de 2014, os quais já estão atrasados. Ao contrário do projeto inicial de 2007, que previa as reformas e construções bancadas pela iniciativa privada, ao que tudo indica, os recursos vão mesmo sair do nosso bolso, já que nenhum projeto privado entrou sequer em discussão (ver matéria publicada na Band).

Naturalmente, os US$ 20 bilhões necessários para a modernização da Marinha e da Aeronáutica também não constam no orçamento de 2010. Só para variar um pouco, desta vez o Governo vai buscar os recursos através de empréstimos a bancos europeus, o que significa um considerável aumento na dívida externa que o Governo diz ter pago.  E o pior é que tal “esforço” do Governo para modernizar a Marinha e a Aeronáutica deixou de fora o Exército, provocando uma ciumeira entre os militares e, claro, mais uma pressão para mais gastos nesta área, os quais terão que ser atendidos no próximo governo (ver matéria publicada no Globo)

O famoso Pré-sal é mais um projeto de dividendos políticos rápidos (principalmente em ano eleitoral), porém de difícil execução, altos custos e lucros incertos (vamos falar mais sobre isto brevemente). A estimativa é que a Petrobrás invista US$ 28,9 bilhões nos próximos cinco anos (incrível o nível de precisão dessas previsões). O problema é que a estatal, a oitava maior empresa do mundo, ao invés de trazer divisas para o Governo, só retira. Por incrível que pareça, a estatal tem um dos maiores orçamentos do Governo. Se o orçamento de 2008 de R$ 65 bilhões já foi imenso, o de 2010 é ainda maior: R$ 80 bilhões, bem maior que o orçamento da saúde, que o Governo diz não ter dinheiro para bancar e faz chantagem com o Congresso para a aprovação da CSS. Isto sem falar nos empréstimos do Governo via Caixa Econômica, Banco do Brasil e BNDES para a estatal. Só do BNDES, a estatal recebeu R$ 25 bilhões em agosto. Detalhe: os recursos do BNDES foram retirados da venda de títulos da dívida interna, aumentando mais um pontinho no gráfico mostrado acima. (ver matéria no G1)

As olimpíadas de 2016… Bom, é melhor parar por aqui, pois já começamos com um orçamento cinco vezes maior que o de Tóquio. Levando em consideração o custo multiplicado da obra entre o projeto e a execução, certamente teremos aí mais uma fonte de endividamento. Claro que a Olimpíada trará dividendos para o Rio e para o Brasil (e principalmente para Lula). Mas, precisava ser agora? Logo depois de uma copa do mundo que já está se mostrando problemática?

Mais pressões sobre o novo governo

Felizmente até aqui tivemos muita sorte. A situação poderá ainda se sustentar por mais alguns anos, caso não tenhamos nenhum sobressalto no cenário econômico. Apesar de nos sairmos bem desta crise, o endividamento percentual em relação ao PIB aumentou de 36% para 44%, segundo os dados do Tesouro (há controvérsias também sobre este percentual, assunto que abordaremos em um post específico). Ainda é pouco em relação ao histórico pico de 56% na chamada “Crises Lula”, nas eleições de 2002, mas ainda assim é um sinal amarelo para um país que tem abusado da sorte nos últimos anos. Já imaginou se ocorre uma nova crise em 2009? Para quem não sabe, já se fala no meio econômico que já está se criando uma nova bolha nas bolsas de valores (ver matéria no Terra).

Claro que não dá para prever, mas que dá para ser mais cauteloso isso dá. Quem tem 30% da suas receitas comprometidas com o pagamento de juros e mais 20% com custos de rolagens de dívidas vencidas não se pode dar ao “luxo” de continuar vivendo no limite, principalmente depois de um cenário tão favorável como o dos últimos anos.

Infelizmente, o Governo Lula, além de uma imensa dívida e inúmeros compromissos, deixa uma máquina pesada, com gastos fixos 80% maiores (apesar do PIB ter crescido apenas 27% nos seis últimos anos). Ou seja, a conta não fecha.

Sobra ao próximo presidente a responsabilidade de viabilizar os projetos dos quais Lula já lucrou os dividendos políticos. Se conseguir, ótimo para o Brasil e para Lula. Caso contrário, pior para o Brasil e ótimo para Lula, que volta candidato em 2014 com toda “honra” e toda “glória”.

 


Divergências sobre a Dívida Interna

Pretendia neste post mefmi20 aprofundar um pouco mais nas contradições dos números oficiais sobre a dívida externa. No entanto, tive que mudar novamente a programação, pois encontrei no site do Banco Central uma afirmação que reforça uma suspeita que coloquei em discussão no quinto post desta série.

Na ocasião, questionei o fato do relatório oficial do Tesouro Nacional não contabilizar nos três últimos anos no total da dívida interna os títulos em poder do Banco Central (uma bagatela de R$ 494 bilhões em dezembro de 2008!). Com um valor tão expressivo, relutei em acreditar que o Governo teria tido a cara-de-pau de ocultá-lo. Mas aí lembrei da cara-de-pau do Presidente Lula mentindo descaradamente sobre o suposto “pagamento da dívida externa” e então me senti encorajado a pelo menos colocar a questão em discussão, solicitando a ajuda de algum internauta economista que nos ajudasse a esclarecer a dúvida a aparente manobra contábil.

Mas eis que ao buscar dados sobre a dívida externa no site do Banco Central, me deparei com a seguinte afirmação perdida em meio a dezenas de páginas de um relatório (mais precisamente na página 78, pode conferir aqui), onde o BC afirma:

“Os títulos de responsabilidade do Tesouro Nacional totalizaram R$1.759,1 bilhões em dezembro de 2008, dos quais R$494,3 bilhões em poder do Banco Central.”

Apesar de não ser economista, concluo, portanto, que os títulos em poder do BC também fazem parte do Tesouro. Neste caso, deveriam ser contabilizados no total da dívida interna no relatório divulgado pelo Tesouro à imprensa.

Quem quiser conferir diretamente o relatório do Tesouro, acesse a planilha de dezembro de 2008 , clique na aba “2.1”. Por ser muito grande a planilha, recortei apenas os dados referentes ao mês referência (dezembro), conforme pode ser observado na figura abaixo:

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Observe que a soma entre os R$ 494,31 bilhões em títulos “em poder do BC” não computados no total e o valor da dívida interna do topo de página, no valor de R$ 1.264,82 bilhões, dá precisamente R$ 1759,13 bilhões , o mesmo valor citado no relatório do Banco Central e que confirma a nossa suspeita.

Agora compare o recorte do “novo formato de relatório” acima com o formato antigo que vigorou até 2006. Os dados abaixo são do final do Governo FHC.

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Perceba que não só o total da dívida interna está no final da página (como deve ser qualquer relatório decente) como o total dos títulos em poder do Banco Central devidamente contabilizados.

Mudou por que?

De acordo com reportagem publicada no G1 e no Valor Online, no início de 2007, o objetivo do Governo com a mudança do relatório era “aumentar a transparência sobre a gestão do endividamento público”.

Além de mudar o formato, o relatório mudou também a metodologia, pois passou a computar também uma parcela da dívida externa que o Governo diz que quitou mas que continua lá (sobre isto nos aprofundaremos em um post específico). Porém, em nenhum momento a reportagem cita a ausência dos títulos em poder do Banco Central no total da dívida interna. E olha que não era nenhuma quantia irrisória não. Já em 2007, este valor já totalizava R$ 297 bilhões!

Qualquer que seja a explicação do Governo, o que se poderia esperar da imprensa era pelo menos um parágrafo sobre esta quantia tão expressiva que aparece no relatório sem ser contabilizada no total. Se não é para contabilizar, então esta quantia deveria aparecer em outro lugar, mas não na totalização final da dívida, como é atualmente. Portanto, se o objetivo do Governo com a mudança do relatório foi realmente “tornar mais transparente” o relatório, pode ter funcionado para os economistas. Para mim, pelo menos, ficou mais confusa.

Mais surpresas

No post anterior publiquei uma tabela com diferentes versões sobre a dívida interna de acordo com os relatórios do Tesouro Nacional, do IPEA e da Auditoria Cidadã da Dívida.  (Para conferir as fontes, clique nos links). Eis que encontrei mais duas versões! Pior: duas versões de uma mesma instituição, o Banco Central!  Pior: duas versões da dívida muito maiores que as apresentadas pelo Governo à imprensa!

Ou seja, agora temos cinco versões da dívida interna: quatro de órgãos do Governo e uma de uma ONG, conforme pode ser visualizado no gráfico abaixo:

fmi23 Os links das fontes estão disponíveis no final do artigo.

Se a diferença de R$ 161 bilhões no ano de 2007 entre as versões do IPEA e do Tesouro (citada no post anterior) já era de pasmar, agora temos uma diferença de R$ 500 bilhões entre uma das duas versões da dívida segundo o BC e a versão oficial do Tesouro divulgada para a imprensa. (Para ver os relatórios do BC, clique aqui)

Observe no gráfico que a série histórica do IPEA (verde) dá um grande salto a partir de 2007, justamente o ano em que a versão do “novo relatório” do Tesouro exclui do total da dívida os títulos em poder do BC. Como a série histórica do IPEA não mostra a discriminação dos itens da dívida, não dá para afirmar com certeza de que tal salto seria decorrente dos títulos em poder do BC (até porque o salto é menor do que os altos valores dos títulos supostamente ignorados). Mas, como os dados já divergem nos meses anteriores, então a dúvida fica reforçada.

Outra coisa que chama a atenção é segunda versão da dívida do BC (gráfico roxo). Segundo ela, a dívida deixada por FHC seria de R$ 848 bilhões (e obviamente a dívida atual do no Governo Lula já teria ultrapassado a casa dos R$ 1,9 trilhão). De fato, lembro bem desse número, pois acompanhava a economia nesta época e serviu para sepultar a minha credibilidade no PSDB e depositar minhas esperanças no PT. No entanto, já faz algum tempo que não encontrava dados com este número na web. As diferentes versões da dívida que encontro aparecem sempre oscilando entre R$ 623 bilhões e R$ 650 bilhões. Então pensei: devo ter me enganado ou talvez confundido a totalização da dívida interna com a dívida bruta, que inclui a dívida externa.

Mas não estava enganado. Finalmente encontrei o relatório que traz este número no BC. Daí também surge o percentual mágico de 74% de endividamento do Brasil no final do Governo FHC que alguns petistas hoje sempre citam para justificar o suposto endividamento atual de 44%, tomado como base na menor versão da dívida, obviamente.

Mais uma “mudança metodológica”

Nas duas planilhas do BC que apresentam as duas versões da dívida pública não existe nenhuma explicação sobre o porquê da existência das duas tabelas (ou das duas metodologias). No entanto, os títulos das tabelas nos ajudam a entender mais esta variação da contabilidade do Governo atual. Na versão 1, o título da tabela é “Dívida líquida e bruta do governo geral1/ (R$ milhões) – Metodologia utilizada até 2007”.

O número 1 que aparece ao lado da palavra “geral” nos remete a seguinte legenda em letras microscópicas no final da tabela:

‘1/ Inclui as dívidas do Governo Federal e dos governos estaduais e municipais com os demais agentes econômicos, inclusive com o Bacen.

A mesma legenda na tabela com a nova metodologia adotada a partir de 2008 diz o seguinte:

1/ O Governo Geral abrange Governo Federal, governos estaduais e governos municipais. Exclui Banco Central e empresas estatais.

Ou seja, na nova metodologia adotada pelo BC, a partir de 2008, estão excluídos os títulos em poder do Banco Central (os mesmos títulos excluídos do relatório do Tesouro a partir de 2007) e as dívidas das empresas estatais.

Portanto, a pergunta que não quer calar é: por que os títulos em poder do BC foram retirados do cálculo da dívida?

Pesquisando sobre o assunto, encontrei entre os milhões de pdfs do site do BC a seguinte afirmação na página 15 do Manual de Estatísticas Fiscais (veja aqui):

Dívida mobiliária do Banco Central – Dívida pública interna do Banco Central do Brasil constituída pelos títulos públicos de sua emissão registrados no Sistema Especial de Liquidação e Custódia (Selic), colocados e resgatados em moeda nacional. Em 2006, foram resgatados os últimos títulos de emissão do Banco Central, tendo deixado de existir, desde então, dívida mobiliária emitida pela Autoridade Monetária.”

De fato, os títulos do BC chegaram a ser zerados em 2006, conforme pode ser verificado nos relatórios disponíveis no site do Tesouro. Mas como alegria de pobre dura pouco, já no ano seguinte, no novo formato e metodologia do relatório, um novo montante em poder do BC volta a aparecer no relatório, apesar de não ser computado no total da dívida oficial divulgada pelo Tesouro.

Note que nas duas mudanças metodológicas da contabilidade da dívida pública promovidas no Governo Lula no curto espaço de um ano, as novas versões apresentam valores finais bastante inferiores e que a versão apresentada para imprensa é justamente a menor das cinco versões.

Caso não tivesse sido mudada a metodologia do BC em 2008, a dívida bruta do governo em agosto de 2009 já ultrapassaria a casa dos R$ 2 trilhões (mais precisamente R$ 2,022 trilhão), conforme pode ser constado aqui.

Enfim, se o objetivo do Governo com as mudanças nos relatórios era realmente torná-los mais “transparentes”, certamente o objetivo não foi alcançado (pelo menos para o cidadão comum).

Fontes:

  • IPEA – O site não permite links secundários (sabe lá por que). Para acessar então a planilha da série histórica da dívida externa, clique na aba “Macroeconomico”, em seguida em “Índices Analíticos” e finalmente em “Dívida líquida do setor público”.


Divergências sobre a Dívida Externa

Finalmente, depois de algumas mudanças de programação, estamos voltando à questão da dívida externa. Assim como no caso da dívida interna, penei um bocado para conseguir os dados oficiais para criar um gráfico atualizado para esta dívida que, a cada dia, fica ainda mais confusa.

Em comum com a dívida interna, a externa tem o fato de existirem diferentes versões oficiais, conforme pode ser visualizado no gráfico abaixo:

fmi25 Os links das fontes estão disponíveis no final do artigo.

Como pode ser observado no gráfico, existem versões para todos os gostos, desde para quem afirma que a dívida continua aumentando até para quem afirma que ela se tornou negativa!

Para quem ficou surpreso com a diferença de R$ 500 bilhões entre a maior e menor versão da dívida interna, apresentada no post anterior, aqui a divergência entre a menor e a maior versão chega a mais de R$ 1 trilhão, quando os valores são convertidos em reais!

 


A dívida que ficou negativa!

Sem dúvida, o que mais chama a atenção neste gráfico é a variação da dívida segundo o fmi24IPEA. Segundo o instituto, a dívida externa teria sido reduzida de US$ 237.539 bilhões, no inicio do Governo Lula, para US$ 273,8 bilhões NEGATIVOS em agosto de 2009!

Se somarmos a divida inicial de US$ 237.539 (positivos) com os US$ 273,8 bilhões negativos atuais, o Governo Lula teria então conseguido a façanha de em apenas sete anos baixar a dívida externa em US$ 511,3 bilhões!

Mais curioso ainda é ver a imediata “tendência” de queda da dívida já no primeiro mês de governo do PT.  De acordo com a série histórica do IPEA, quatro meses depois de assumir, o Governo Lula já teria diminuído a dívida externa em US$ 43,4 bilhões!

Por aí já dá para se concluir que há algo de irreal nestes números, afinal, se com o “pagamento antecipado” da dívida do FMI de US$ 15,5 bilhões o Governo Lula fez todo aquele estardalhaço na mídia (ver primeiro artigo desta série), imagina então o que faria se tivesse realmente pago um valor três vezes maior em apenas quatro meses de governo!

A única coisa que parece justificar uma queda tão rápida desta versão da dívida é a oscilação do valor do dólar. Para quem não lembra, a moeda norte-americana chegou a casa dos R$ 4 no auge da “Crise Lula” às vésperas das eleições em 2002. Só depois que o mercado percebeu que o novo Governo não mexeria na política econômica deixada por FHC é que o dólar voltou aos patamares anteriores, conforme pode ser verificado no gráfico abaixo:

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Comparando o gráfico da evolução do dólar com as diferente versões da dívida externa, fica clara a relação. Observe que os picos da dívida externa ocorreram quando o dólar estava mais alto. Logo, qualquer comparação da dívida atual com a dívida deixada por FHC, para ser justa, deve-se, no mínimo, ser feita uma ressalva sobre o recorde da cotação do dólar no final do governo FHC decorrente do medo do mercado do então candidato Lula.

Tentando entender a “mágica”

Tão incrível como o fantástico ritmo de redução da dívida segundo o IPEA é o fato do instituto não incluir nenhuma nota explicativa sobre como chegou a tais números. Apesar da falta de informação, não precisa ser nenhum gênio para se concluir que a única forma de justificar tais números é com os dólares de terceiros.

Segundo o jornalista e economista Carlos Alberto Sardenberg, da Rádio CBN, o cálculo seria o seguinte: toma-se a Dívida Externa Total – DET e se subtrai dela o “ativo” do país no exterior, que são basicamente as reservas internacionais do BC. Chegaríamos então à Dívida Externa Total Líquida (DETL).

Colocando a fórmula em prática, subtraímos do valor da DET, que em agosto era de US$ 277,2 bilhões, o total das reservas, que no mesmo mês totalizavam US$ 215 bilhões. O resultado final (DETL) seria então de US$ 62,2 bilhões. Acontece que tal valor não chega nem próximo dos US$ 273 bilhões negativos.

Talvez a explicação esteja então nos dólares de empresas brasileira investidos no exterior. Não encontrei os dados atualizados sobre este fluxo de capitais no site do BC, mas até o início de 2008 o total de investimentos de brasileiros no exterior somava US$ 365 bilhões (ver matéria no Estadão). Ainda assim a conta não fecharia, pois hoje certamente este valor já ultrapassou a casa dos US$ 400 bilhões.

De onde viria então o fantástico valor de US$ 273,8 bilhões negativos da dívida externa? Eis aí mais uma pergunta que estamos encaminhando ao BC.

Qualquer que seja a explicação, no entanto, de uma coisa temos certeza: a suposta redução tem muito mais a ver com a movimentação do mercado privado e da desvalorização do dólar a nível mundial do que com ações do Governo. Nem mesmo a “quitação antecipada” da dívida com o FMI pode ser considerada mérito de Lula, pois hoje sabemos que tal operação não passou de uma troca de títulos da dívida externa por títulos da dívida interna, cujo objetivo principal foi criar um factóide político às vésperas das eleições de 2006 (com a desvantagem dos juros da última serem três vezes maiores que a do FMI). Para quem é novo no nosso blog, este assunto foi abordado no primeiro post desta série.

Dois pesos, duas medidas

Outro ponto que chama bastante atenção nos dados sobre a dívida externa divulgados pelo Governo Lula é a não contabilização dos chamados “empréstimos intercompanhias”.  Vale salientar que até o Governo FHC a dívida era divulgada em sua totalidade. Ou seja, a Dívida Externa Total (DET) que no gráfico da evolução da dívida acima, corresponde à versão 3 do BC (gráfico azul claro).

Atualmente, o Governo divulga para a imprensa a versão 2 do BC (gráfico roxo), o qual totalizaria em agosto de 2009 US$ 204 bilhões, deixando de fora US$ 73 bilhões referentes aos empréstimos intercompanhias, conforme pode ser constatado na reportagem publicada pelo Valor Online e outros veículos de comunicação.

Tal valor, no entanto, é considerado no relatório do Tesouro Nacional, só que de uma forma um tanto questionável. Vejamos:

Desde que o Governo unificou os relatórios das dívidas interna e externa, a partir de 2007 (ver post anterior sobre este assunto), o governo criou a chamada Dívida Pública Federal, que é a soma da dívida interna com a dívida externa. Acontece que neste relatório, a dívida externa aparece em agosto de 2009 num total de R$ 109 bilhões.

Como se chegou a tal número? Simples: O Governo abateu o total das reservas (US$ 215 bilhões – do qual a maior parte é do setor privado) no total da dívida externa de US$ 277 bilhões, o que resultou em US$ 62,2 bilhões. Convertendo este valor em Real (na época a cotação era de 1,75) finalmente chegamos aos R$ 109 bilhões.

Está aí a explicação para os outros dois gráficos que decrescem: o do Tesouro (em azul) e da primeira versão do BC (verde), pois desde 2003 o dólar tem sempre caído, enquanto que as reservas tem sempre aumentado com a chegada de investidores estrangeiros. Ou seja, também os méritos do Governo são muito reduzidos, pois a depreciação do dólar é um fenômeno mundial e a entrada de capitais estrangeiros no país é fruto da melhora nos indicadores econômicos do país, resultante de uma combinação de fatores positivos, entre os quais podemos citar:

1)    a estabilização da economia (cuja política econômica foi toda implementada no Governo anterior);

2)    a  ausência de crises, que propiciou um crescimento do PIB constante e sem sobressaltos (diferente do governo anterior, que além de sucessivas crises internacionais teve que enfrentar uma seca no sul e sudeste que quase levou o país ao “Apagão” no início da década);

3)    os crescentes saldos da balança comercial decorrentes da valorização internacional em mais de 100% dos preços das commodities (principais produtos de exportação brasileiros);

4)    o deslocamento do fluxo de investimento das grandes multinacionais dos países desenvolvidos para os emergentes;

5)    o crescimento e a internacionalização das maiores empresas nacionais, como a Vale e Embraer, por exemplo, que ajudaram a reforçar os cofres do Governo em impostos;

6)    os incentivos do Governo às exportações e ao setor de infra-estrutural.

Ou seja, o Governo Lula só teve méritos efetivos no último item (e olhe lá, pois não fez mais que sua obrigação). Mesmo assim, como decorrência já do processo de desenvolvimento criado com a combinação dos fatores anteriores, pois para desonerar as exportações e investir no setor naval, o Governo contou com os sucessivos recordes de arrecadação resultantes do processo da retomada do crescimento, cujos fundamentos teve uma mínima participação.

Enfim, o problema da dívida externa hoje parece um problema menor, quando comparado a imensa dívida interna. Isto ocorre porque nos últimos anos o Governo concentrou a emissão de novos títulos na dívida interna. Mesmo com o pagamento dos juros e da imensa desvalorização do dólar, a dívida externa continuou aumentando.

De olho nas próximas eleições e com dificuldade em bancar os altos gastos da máquina, o Governo já acena para a emissão de novos títulos também na dívida externa (ver matéria publicada no Estadão), já que seus juros são bem menores que os da dívida interna, ironicamente juros controlados pelo próprio Governo.

A “via crucis” da coleta de dados

Por incrível que pareça, tanto os dados do site do Tesouro Nacional quanto do Banco Central, a série histórica da dívida externa começam sempre a partir do ano 2000. Para recuperar dados confiáveis sobre a fase anterior da dívida tive que recorrer a uma “cartilha” do BC que encontrei no site da USP cujo link pode ser consultado aqui. Neste caso, tive que retirar os dados de forma aproximada, uma vez que os números do gráfico aparecem apenas em anos alternados. Embora esta não seja uma pratica muito recomendável, não me sobrou outra alternativa, pois até então só tinha como dados oficiais referente aos anos anteriores a 2000 a verão do IPEA, a mesma que tornou a dívida externa negativa! Ou seja, não dá para se ter como referência.

Procurando no Google, mas uma vez me deparei com inúmeros sites com informações desatualizadas e conflitantes sobre a dívida externa. Nesta busca, encontrei um site português (Index Mundi) que traz uma outra versão da nossa dívida externa, a qual publiquei no nosso gráfico acima (cor laranja). Vejam a que ponto chegamos: tivemos que recorrer a um site português, pois no Brasil, nenhum veículo de comunicação se presta a oferecer um serviço tão simples como este.

Enfim, temos aqui mais uma prova do descaso do povo brasileiro e da nossa mídia com algo que mexe diretamente com nosso dia-a-dia, pois todos os anos leva bilhões e bilhões de dólares nossos em juros para o exterior.

Diante de tanta desinformação, criei uma seção fixa no blog ( “Gráficos“), onde pretendo atualizar a cada novo boletim do BC, do Tesouro e da Auditoria Cidadã da Dívida os principais gráficos sobre a economia brasileira .

O caminho é longo, mas quem sabe algum dia o povo brasileiro desperte e finalmente resolva ver de perto o valor da fatura do “cartão de crédito” da dívida pública que tem financiado o projeto eleitoreiro do atual Governo.

Mas afinal qual o valor da dívida externa?

O valor correto é US$ 277,205, em agosto de 2009, dos quais US$ 73,102 bilhões são de empréstimos intercompanhias das multinacionais a suas subsidiárias no país. Era assim que era contabilizada na era FHC e deveria ter continuado no Governo Lula. Ou seja, Lula pegou a dívida externa de FHC em US$ 220 bilhões (no auge da “Crise Lula”) e aumentou-a para  US$ 277,2 bilhões em seis anos e oito meses.

Fontes:

  • IPEA – O site não permite links secundários (sabe lá por que). Para acessar então a planilha da série histórica da dívida externa, clique na aba “Macroeconomico”, em seguida em “Índices Analíticos” e finalmente em “Dívida líquida do setor público”.
  • Banco Central (versão 1)
  • Banco Central (versões 2 e 3) – O link se refere a janeiro de 2009. Encontrei este link no site da Auditoria Cidadã da Dívida. Procurei no site do BC o link para a planilha mais recente, mas não encontrei. Enviei um email ao BC solicitando informações onde buscar as últimas planilhas, mas nem eles souberam informar. Portanto os dados referentes a agosto 2009 peguei no site do Valor Econômico. Notem, no entanto, que a planilha é baixada diretamente do site do BC. As informações do gráfico constam na aba 49. Para ver a resposta do BC, confira os comentários do artigo 7 desta série.
  • Banco Central (versão 4) – Página 14. Obs.: Finalmente encontramos este arquivo no site do BC, pois na pesquisa do artigo, tais dados foram coletados no site da USP.


Divergências sobre a Dívida Interna 

Pretendia neste post me aprofundar um pouco mais nas contradições dos números oficiais sobre a dívida externa. No entanto, tive que mudar novamente a programação, pois encontrei no site do Banco Central uma afirmação que reforça uma suspeita qfmi27ue coloquei em discussão no quinto post desta série.

Na ocasião, questionei o fato do relatório oficial do Tesouro Nacional não contabilizar nos três últimos anos no total da dívida interna os títulos em poder do Banco Central (uma bagatela de R$ 494 bilhões em dezembro de 2008!). Com um valor tão expressivo, relutei em acreditar que o Governo teria tido a cara-de-pau de ocultá-lo. Mas aí lembrei da cara-de-pau do Presidente Lula mentindo descaradamente sobre o suposto “pagamento da dívida externa” e então me senti encorajado a pelo menos colocar a questão em discussão, solicitando a ajuda de algum internauta economista que nos ajudasse a esclarecer a dúvida a aparente manobra contábil.

Mas eis que ao buscar dados sobre a dívida externa no site do Banco Central, me deparei com a seguinte afirmação perdida em meio a dezenas de páginas de um relatório (mais precisamente na página 78, pode conferir aqui), onde o BC afirma:

“Os títulos de responsabilidade do Tesouro Nacional totalizaram R$1.759,1 bilhões em dezembro de 2008, dos quais R$494,3 bilhões em poder do Banco Central.”

Apesar de não ser economista, concluo, portanto, que os títulos em poder do BC também fazem parte do Tesouro. Neste caso, deveriam ser contabilizados no total da dívida interna no relatório divulgado pelo Tesouro à imprensa.

Quem quiser conferir diretamente o relatório do Tesouro, acesse a planilha de dezembro de 2008 , clique na aba “2.1”. Por ser muito grande a planilha, recortei apenas os dados referentes ao mês referência (dezembro), conforme pode ser observado na figura abaixo:

fmi28

Observe que a soma entre os R$ 494,31 bilhões em títulos “em poder do BC” não computados no total e o valor da dívida interna do topo de página, no valor de R$ 1.264,82 bilhões, dá precisamente R$ 1759,13 bilhões , o mesmo valor citado no relatório do Banco Central e que confirma a nossa suspeita.

Agora compare o recorte do “novo formato de relatório” acima com o formato antigo que vigorou até 2006. Os dados abaixo são do final do Governo FHC.

fmi29

Perceba que não só o total da dívida interna está no final da página (como deve ser qualquer relatório decente) como o total dos títulos em poder do Banco Central devidamente contabilizados.

Mudou por que?

De acordo com reportagem publicada no G1 e no Valor Online, no início de 2007, o objetivo do Governo com a mudança do relatório era “aumentar a transparência sobre a gestão do endividamento público”.

Além de mudar o formato, o relatório mudou também a metodologia, pois passou a computar também uma parcela da dívida externa que o Governo diz que quitou mas que continua lá (sobre isto nos aprofundaremos em um post específico). Porém, em nenhum momento a reportagem cita a ausência dos títulos em poder do Banco Central no total da dívida interna. E olha que não era nenhuma quantia irrisória não. Já em 2007, este valor já totalizava R$ 297 bilhões!

Qualquer que seja a explicação do Governo, o que se poderia esperar da imprensa era pelo menos um parágrafo sobre esta quantia tão expressiva que aparece no relatório sem ser contabilizada no total. Se não é para contabilizar, então esta quantia deveria aparecer em outro lugar, mas não na totalização final da dívida, como é atualmente. Portanto, se o objetivo do Governo com a mudança do relatório foi realmente “tornar mais transparente” o relatório, pode ter funcionado para os economistas. Para mim, pelo menos, ficou mais confusa.

Mais surpresas

No post anterior publiquei uma tabela com diferentes versões sobre a dívida interna de acordo com os relatórios do Tesouro Nacional, do IPEA e da Auditoria Cidadã da Dívida.  (Para conferir as fontes, clique nos links). Eis que encontrei mais duas versões! Pior: duas versões de uma mesma instituição, o Banco Central!  Pior: duas versões da dívida muito maiores que as apresentadas pelo Governo à imprensa!

Ou seja, agora temos cinco versões da dívida interna: quatro de órgãos do Governo e uma de uma ONG, conforme pode ser visualizado no gráfico abaixo:

 fmi30Os links das fontes estão disponíveis no final do artigo.

Se a diferença de R$ 161 bilhões no ano de 2007 entre as versões do IPEA e do Tesouro (citada no post anterior) já era de pasmar, agora temos uma diferença de R$ 500 bilhões entre uma das duas versões da dívida segundo o BC e a versão oficial do Tesouro divulgada para a imprensa. (Para ver os relatórios do BC, clique aqui)

Observe no gráfico que a série histórica do IPEA (verde) dá um grande salto a partir de 2007, justamente o ano em que a versão do “novo relatório” do Tesouro exclui do total da dívida os títulos em poder do BC. Como a série histórica do IPEA não mostra a discriminação dos itens da dívida, não dá para afirmar com certeza de que tal salto seria decorrente dos títulos em poder do BC (até porque o salto é menor do que os altos valores dos títulos supostamente ignorados). Mas, como os dados já divergem nos meses anteriores, então a dúvida fica reforçada.

Outra coisa que chama a atenção é segunda versão da dívida do BC (gráfico roxo). Segundo ela, a dívida deixada por FHC seria de R$ 848 bilhões (e obviamente a dívida atual do no Governo Lula já teria ultrapassado a casa dos R$ 1,9 trilhão). De fato, lembro bem desse número, pois acompanhava a economia nesta época e serviu para sepultar a minha credibilidade no PSDB e depositar minhas esperanças no PT. No entanto, já faz algum tempo que não encontrava dados com este número na web. As diferentes versões da dívida que encontro aparecem sempre oscilando entre R$ 623 bilhões e R$ 650 bilhões. Então pensei: devo ter me enganado ou talvez confundido a totalização da dívida interna com a dívida bruta, que inclui a dívida externa.

Mas não estava enganado. Finalmente encontrei o relatório que traz este número no BC. Daí também surge o percentual mágico de 74% de endividamento do Brasil no final do Governo FHC que alguns petistas hoje sempre citam para justificar o suposto endividamento atual de 44%, tomado como base na menor versão da dívida, obviamente.

Mais uma “mudança metodológica”

Nas duas planilhas do BC que apresentam as duas versões da dívida pública não existe nenhuma explicação sobre o porquê da existência das duas tabelas (ou das duas metodologias). No entanto, os títulos das tabelas nos ajudam a entender mais esta variação da contabilidade do Governo atual. Na versão 1, o título da tabela é “Dívida líquida e bruta do governo geral1/ (R$ milhões) – Metodologia utilizada até 2007”.

O número 1 que aparece ao lado da palavra “geral” nos remete a seguinte legenda em letras microscópicas no final da tabela:

‘1/ Inclui as dívidas do Governo Federal e dos governos estaduais e municipais com os demais agentes econômicos, inclusive com o Bacen.

A mesma legenda na tabela com a nova metodologia adotada a partir de 2008 diz o seguinte:

1/ O Governo Geral abrange Governo Federal, governos estaduais e governos municipais. Exclui Banco Central e empresas estatais.

Ou seja, na nova metodologia adotada pelo BC, a partir de 2008, estão excluídos os títulos em poder do Banco Central (os mesmos títulos excluídos do relatório do Tesouro a partir de 2007) e as dívidas das empresas estatais.

Portanto, a pergunta que não quer calar é: por que os títulos em poder do BC foram retirados do cálculo da dívida?

Pesquisando sobre o assunto, encontrei entre os milhões de pdfs do site do BC a seguinte afirmação na página 15 do Manual de Estatísticas Fiscais (veja aqui):

Dívida mobiliária do Banco Central – Dívida pública interna do Banco Central do Brasil constituída pelos títulos públicos de sua emissão registrados no Sistema Especial de Liquidação e Custódia (Selic), colocados e resgatados em moeda nacional. Em 2006, foram resgatados os últimos títulos de emissão do Banco Central, tendo deixado de existir, desde então, dívida mobiliária emitida pela Autoridade Monetária.”

De fato, os títulos do BC chegaram a ser zerados em 2006, conforme pode ser verificado nos relatórios disponíveis no site do Tesouro. Mas como alegria de pobre dura pouco, já no ano seguinte, no novo formato e metodologia do relatório, um novo montante em poder do BC volta a aparecer no relatório, apesar de não ser computado no total da dívida oficial divulgada pelo Tesouro.

Note que nas duas mudanças metodológicas da contabilidade da dívida pública promovidas no Governo Lula no curto espaço de um ano, as novas versões apresentam valores finais bastante inferiores e que a versão apresentada para imprensa é justamente a menor das cinco versões.

Caso não tivesse sido mudada a metodologia do BC em 2008, a dívida bruta do governo em agosto de 2009 já ultrapassaria a casa dos R$ 2 trilhões (mais precisamente R$ 2,022 trilhão), conforme pode ser constado aqui.

Enfim, se o objetivo do Governo com as mudanças nos relatórios era realmente torná-los mais “transparentes”, certamente o objetivo não foi alcançado (pelo menos para o cidadão comum).

Fontes:

  • IPEA – O site não permite links secundários (sabe lá por que). Para acessar então a planilha da série histórica da dívida externa, clique na aba “Macroeconomico”, em seguida em “Índices Analíticos” e finalmente em “Dívida líquida do setor público”.

 

Divergências sobre a Dívida Externa

Finalmente, depois de algumas mudanças de programação, estamos voltando à questão da dívida externa. Assim como no caso da dívida interna, penei um bocado para conseguir os dados oficiais para criar um gráfico atualizado para esta dívida que, a cada dia, fica ainda mais confusa.

Em comum com a dívida interna, a externa tem o fato de existirem diferentes versões oficiais, conforme pode ser visualizado no gráfico abaixo:

fmi32 Os links das fontes estão disponíveis no final do artigo.

Como pode ser observado no gráfico, existem versões para todos os gostos, desde para quem afirma que a dívida continua aumentando até para quem afirma que ela se tornou negativa!

Para quem ficou surpreso com a diferença de R$ 500 bilhões entre a maior e menor versão da dívida interna, apresentada no post anterior, aqui a divergência entre a menor e a maior versão chega a mais de R$ 1 trilhão, quando os valores são convertidos em reais!

A dívida que ficou negativa!

Sem dúvida, o que mais chama a atenção neste gráfico é a variação da fmi31dívida segundo o IPEA. Segundo o instituto, a dívida externa teria sido reduzida de US$ 237.539 bilhões, no inicio do Governo Lula, para US$ 273,8 bilhões NEGATIVOS em agosto de 2009!

Se somarmos a divida inicial de US$ 237.539 (positivos) com os US$ 273,8 bilhões negativos atuais, o Governo Lula teria então conseguido a façanha de em apenas sete anos baixar a dívida externa em US$ 511,3 bilhões!

Mais curioso ainda é ver a imediata “tendência” de queda da dívida já no primeiro mês de governo do PT.  De acordo com a série histórica do IPEA, quatro meses depois de assumir, o Governo Lula já teria diminuído a dívida externa em US$ 43,4 bilhões!

Por aí já dá para se concluir que há algo de irreal nestes números, afinal, se com o “pagamento antecipado” da dívida do FMI de US$ 15,5 bilhões o Governo Lula fez todo aquele estardalhaço na mídia (ver primeiro artigo desta série), imagina então o que faria se tivesse realmente pago um valor três vezes maior em apenas quatro meses de governo!

A única coisa que parece justificar uma queda tão rápida desta versão da dívida é a oscilação do valor do dólar. Para quem não lembra, a moeda norte-americana chegou a casa dos R$ 4 no auge da “Crise Lula” às vésperas das eleições em 2002. Só depois que o mercado percebeu que o novo Governo não mexeria na política econômica deixada por FHC é que o dólar voltou aos patamares anteriores, conforme pode ser verificado no gráfico abaixo:

fmi33

Comparando o gráfico da evolução do dólar com as diferente versões da dívida externa, fica clara a relação. Observe que os picos da dívida externa ocorreram quando o dólar estava mais alto. Logo, qualquer comparação da dívida atual com a dívida deixada por FHC, para ser justa, deve-se, no mínimo, ser feita uma ressalva sobre o recorde da cotação do dólar no final do governo FHC decorrente do medo do mercado do então candidato Lula.

Tentando entender a “mágica”

Tão incrível como o fantástico ritmo de redução da dívida segundo o IPEA é o fato do instituto não incluir nenhuma nota explicativa sobre como chegou a tais números. Apesar da falta de informação, não precisa ser nenhum gênio para se concluir que a única forma de justificar tais números é com os dólares de terceiros.

Segundo o jornalista e economista Carlos Alberto Sardenberg, da Rádio CBN, o cálculo seria o seguinte: toma-se a Dívida Externa Total – DET e se subtrai dela o “ativo” do país no exterior, que são basicamente as reservas internacionais do BC. Chegaríamos então à Dívida Externa Total Líquida (DETL).

Colocando a fórmula em prática, subtraímos do valor da DET, que em agosto era de US$ 277,2 bilhões, o total das reservas, que no mesmo mês totalizavam US$ 215 bilhões. O resultado final (DETL) seria então de US$ 62,2 bilhões. Acontece que tal valor não chega nem próximo dos US$ 273 bilhões negativos.

Talvez a explicação esteja então nos dólares de empresas brasileira investidos no exterior. Não encontrei os dados atualizados sobre este fluxo de capitais no site do BC, mas até o início de 2008 o total de investimentos de brasileiros no exterior somava US$ 365 bilhões (ver matéria no Estadão). Ainda assim a conta não fecharia, pois hoje certamente este valor já ultrapassou a casa dos US$ 400 bilhões.

De onde viria então o fantástico valor de US$ 273,8 bilhões negativos da dívida externa? Eis aí mais uma pergunta que estamos encaminhando ao BC.

Qualquer que seja a explicação, no entanto, de uma coisa temos certeza: a suposta redução tem muito mais a ver com a movimentação do mercado privado e da desvalorização do dólar a nível mundial do que com ações do Governo. Nem mesmo a “quitação antecipada” da dívida com o FMI pode ser considerada mérito de Lula, pois hoje sabemos que tal operação não passou de uma troca de títulos da dívida externa por títulos da dívida interna, cujo objetivo principal foi criar um factóide político às vésperas das eleições de 2006 (com a desvantagem dos juros da última serem três vezes maiores que a do FMI). Para quem é novo no nosso blog, este assunto foi abordado no primeiro post desta série.

Dois pesos, duas medidas

Outro ponto que chama bastante atenção nos dados sobre a dívida externa divulgados pelo Governo Lula é a não contabilização dos chamados “empréstimos intercompanhias”.  Vale salientar que até o Governo FHC a dívida era divulgada em sua totalidade. Ou seja, a Dívida Externa Total (DET) que no gráfico da evolução da dívida acima, corresponde à versão 3 do BC (gráfico azul claro).

Atualmente, o Governo divulga para a imprensa a versão 2 do BC (gráfico roxo), o qual totalizaria em agosto de 2009 US$ 204 bilhões, deixando de fora US$ 73 bilhões referentes aos empréstimos intercompanhias, conforme pode ser constatado na reportagem publicada pelo Valor Online e outros veículos de comunicação.

Tal valor, no entanto, é considerado no relatório do Tesouro Nacional, só que de uma forma um tanto questionável. Vejamos:

Desde que o Governo unificou os relatórios das dívidas interna e externa, a partir de 2007 (ver post anterior sobre este assunto), o governo criou a chamada Dívida Pública Federal, que é a soma da dívida interna com a dívida externa. Acontece que neste relatório, a dívida externa aparece em agosto de 2009 num total de R$ 109 bilhões.

Como se chegou a tal número? Simples: O Governo abateu o total das reservas (US$ 215 bilhões – do qual a maior parte é do setor privado) no total da dívida externa de US$ 277 bilhões, o que resultou em US$ 62,2 bilhões. Convertendo este valor em Real (na época a cotação era de 1,75) finalmente chegamos aos R$ 109 bilhões.

Está aí a explicação para os outros dois gráficos que decrescem: o do Tesouro (em azul) e da primeira versão do BC (verde), pois desde 2003 o dólar tem sempre caído, enquanto que as reservas tem sempre aumentado com a chegada de investidores estrangeiros. Ou seja, também os méritos do Governo são muito reduzidos, pois a depreciação do dólar é um fenômeno mundial e a entrada de capitais estrangeiros no país é fruto da melhora nos indicadores econômicos do país, resultante de uma combinação de fatores positivos, entre os quais podemos citar:

1)    a estabilização da economia (cuja política econômica foi toda implementada no Governo anterior);

2)    a  ausência de crises, que propiciou um crescimento do PIB constante e sem sobressaltos (diferente do governo anterior, que além de sucessivas crises internacionais teve que enfrentar uma seca no sul e sudeste que quase levou o país ao “Apagão” no início da década);

3)    os crescentes saldos da balança comercial decorrentes da valorização internacional em mais de 100% dos preços das commodities (principais produtos de exportação brasileiros);

4)    o deslocamento do fluxo de investimento das grandes multinacionais dos países desenvolvidos para os emergentes;

5)    o crescimento e a internacionalização das maiores empresas nacionais, como a Vale e Embraer, por exemplo, que ajudaram a reforçar os cofres do Governo em impostos;

6)    os incentivos do Governo às exportações e ao setor de infra-estrutural.

Ou seja, o Governo Lula só teve méritos efetivos no último item (e olhe lá, pois não fez mais que sua obrigação). Mesmo assim, como decorrência já do processo de desenvolvimento criado com a combinação dos fatores anteriores, pois para desonerar as exportações e investir no setor naval, o Governo contou com os sucessivos recordes de arrecadação resultantes do processo da retomada do crescimento, cujos fundamentos teve uma mínima participação.

Enfim, o problema da dívida externa hoje parece um problema menor, quando comparado a imensa dívida interna. Isto ocorre porque nos últimos anos o Governo concentrou a emissão de novos títulos na dívida interna. Mesmo com o pagamento dos juros e da imensa desvalorização do dólar, a dívida externa continuou aumentando.

De olho nas próximas eleições e com dificuldade em bancar os altos gastos da máquina, o Governo já acena para a emissão de novos títulos também na dívida externa (ver matéria publicada no Estadão), já que seus juros são bem menores que os da dívida interna, ironicamente juros controlados pelo próprio Governo.

A “via crucis” da coleta de dados

Por incrível que pareça, tanto os dados do site do Tesouro Nacional quanto do Banco Central, a série histórica da dívida externa começam sempre a partir do ano 2000. Para recuperar dados confiáveis sobre a fase anterior da dívida tive que recorrer a uma “cartilha” do BC que encontrei no site da USP cujo link pode ser consultado aqui. Neste caso, tive que retirar os dados de forma aproximada, uma vez que os números do gráfico aparecem apenas em anos alternados. Embora esta não seja uma pratica muito recomendável, não me sobrou outra alternativa, pois até então só tinha como dados oficiais referente aos anos anteriores a 2000 a verão do IPEA, a mesma que tornou a dívida externa negativa! Ou seja, não dá para se ter como referência.

Procurando no Google, mas uma vez me deparei com inúmeros sites com informações desatualizadas e conflitantes sobre a dívida externa. Nesta busca, encontrei um site português (Index Mundi) que traz uma outra versão da nossa dívida externa, a qual publiquei no nosso gráfico acima (cor laranja). Vejam a que ponto chegamos: tivemos que recorrer a um site português, pois no Brasil, nenhum veículo de comunicação se presta a oferecer um serviço tão simples como este.

Enfim, temos aqui mais uma prova do descaso do povo brasileiro e da nossa mídia com algo que mexe diretamente com nosso dia-a-dia, pois todos os anos leva bilhões e bilhões de dólares nossos em juros para o exterior.

Diante de tanta desinformação, criei uma seção fixa no blog ( “Gráficos“), onde pretendo atualizar a cada novo boletim do BC, do Tesouro e da Auditoria Cidadã da Dívida os principais gráficos sobre a economia brasileira .

O caminho é longo, mas quem sabe algum dia o povo brasileiro desperte e finalmente resolva ver de perto o valor da fatura do “cartão de crédito” da dívida pública que tem financiado o projeto eleitoreiro do atual Governo.

Mas afinal qual o valor da dívida externa?

O valor correto é US$ 277,205, em agosto de 2009, dos quais US$ 73,102 bilhões são de empréstimos intercompanhias das multinacionais a suas subsidiárias no país. Era assim que era contabilizada na era FHC e deveria ter continuado no Governo Lula. Ou seja, Lula pegou a dívida externa de FHC em US$ 220 bilhões (no auge da “Crise Lula”) e aumentou-a para  US$ 277,2 bilhões em seis anos e oito meses.

Fontes:

  • IPEA – O site não permite links secundários (sabe lá por que). Para acessar então a planilha da série histórica da dívida externa, clique na aba “Macroeconomico”, em seguida em “Índices Analíticos” e finalmente em “Dívida líquida do setor público”.
  • Banco Central (versão 1)
  • Banco Central (versões 2 e 3) – O link se refere a janeiro de 2009. Encontrei este link no site da Auditoria Cidadã da Dívida. Procurei no site do BC o link para a planilha mais recente, mas não encontrei. Enviei um email ao BC solicitando informações onde buscar as últimas planilhas, mas nem eles souberam informar. Portanto os dados referentes a agosto 2009 peguei no site do Valor Econômico. Notem, no entanto, que a planilha é baixada diretamente do site do BC. As informações do gráfico constam na aba 49. Para ver a resposta do BC, confira os comentários do artigo 7 desta série.
  • Banco Central (versão 4) – Página 14. Obs.: Finalmente encontramos este arquivo no site do BC, pois na pesquisa do artigo, tais dados foram coletados no site da USP.

 

Lula e a dívida pública

Nos dois posts anteriores desta série, mostramos as diferentes versões das dívidas interna e externa. Se vc é novo no nosso blog, sugerimos que leia antes os referidos posts para melhor entender esta nona parte.

Divergências sobre os percentuais da Dívida Pública

Em novembro de 2008 o Govefmi34rno Lula noticiou mais um grande feito: a menor relação dívida / PIB desde 1998. A imagem da apresentadora Fátima Bernardes no Jornal Nacional dando a notícia com o percentual de 36,7% em destaque foi publicada por vários blogueiros entusiastas do Governo Lula como uma prova cabal da competência do Governo do PT, o qual teria conseguido baixar tal percentual que, às vésperas das eleições de 2002, tinha atingido o recorde de 56,9%!

O outro lado da história

Da mesma forma que aconteceu no “pagamento” da dívida com o FMI e com o suposto “pagamento” da dívida externa (veja posts anteriores da série), uma olhada mais atenta sobre os números da dívida pública mostram que a notícia foi vendida muito além do que valia.

O fato é que o cálculo percentual que resultou nos “36,7%” anunciados foi feito com base na dívida externa líquida, detalhe que faz toda diferença, já que, neste caso, capitais externos que entram no país são usados para abater a dívida externa (falaremos sobre isso mais adiante).

Se o cálculo fosse feito com base nos valores brutos das dívidas, o percentual seria idêntico ao recorde histórico deixado por FHC. Ou seja, um número “contaminado” pela chamada “Crise Lula”, provocada pelo receio do mercado de que o candidato favorito das pesquisas, o então candidato Lula, mexesse na política econômica implementada pelo PSDB. Só para lembrar, o dólar chegou a casa dos R$ 4, valor que puxou ainda mais dívida para cima (e consequentemente seu percentual em relação ao PIB).

A “boa notícia” da redução da relação dívida /PIB, no entanto, durou pouco. O agravamento da crise financeira a partir do final de 2008 elevou novamente o percentual de endividamento brasileiro, que chegou, em agosto de 2009, bem próximo dos 44%. Ou seja, bastou uma crise internacional (a única enfrentada pelo Governo Lula até então) para que o percentual subisse 8 pontos percentuais. E olha que a coisa poderia ser bem pior caso ocorresse uma fuga maciça de capitais e uma disparada do dólar como em todas as outras crises anteriores, obrigando o Governo a queimar bilhões em reservas. Isto não ocorreu por dois motivos principais: o primeiro é que o dólar está fraco em todo mundo; o segundo é que, como a crise teve seu epicentro no primeiro mundo, os investidores ficaram sem ter para onde fugir.

Esta pequena digressão serviu apenas para mostrar o impacto que as crises têm na dívida pública e assim relativizarmos o percentual de endividamento na “Crise Lula” no final do Governo FHC, que o PT ironicamente utiliza sempre como parâmetro. Digo ironicamente, porque o beneficiado da comparação (Lula) foi também o motivo da crise.

Mesmo considerando estas variáveis, comparar as dívidas brutas de hoje e do final da era FHC ainda seria injusto, pois com o dólar próximo dos R$ 4 (hoje esta a R$ 1,72) o valor da dívida externa fica muito maior na era FHC quando seus valores são convertidos para Reais, conversão esta essencial já que o cálculo final da dívida pública é feito em moeda local.

Para fazer uma comparação justa, portanto, vamos fazer alguns cálculos usando uma mesma cotação do dólar. Observe o gráfico abaixo:

 fmi35

Em outras palavras, o gráfico revela que, quando consideradas as dívidas brutas e quando utilizamos uma mesma cotação do dólar para conversão da dívida externa, o Governo FHC, mesmo enfrentando um período turbulento, teria reduzido o percentual de endividamento, enquanto que o Governo Lula, mesmo com um cenário positivo, teria mantido o mesmo percentual de endividamento deixado por FHC. Numa expressão popular, diríamos que o Governo Lula “empurrou o problema da dívida com a barriga”, dívida esta que consome 30% de tudo o que o Governo arrecada com o pagamento de juros e amortizações, além de exigir o equivalente a mais 20% do orçamento em média na emissão de novos títulos para cobrir os títulos antigos que vencem a cada ano. É o que os economistas chamam de rolagem da dívida. Resumindo, a situação do Brasil é semelhante a de um assalariado que tem metade de seu salário comprometido com o cartão de crédito.

Voltando a comparação, o resultado é no mínimo surpreendente, pois a era FHC ficou estigmatizada como a era do endividamento recorde, período em que a dívida interna foi multiplicada por seis. Aliás, este ponto é sempre citado pelos petistas para minimizar a multiplicação de “apenas” 2,5 vezes da dívida interna (até agosto de 2009). Os valores absolutos, no entanto, são sempre evitados.

Se levarmos ainda em consideração que 85% do endividamento da era FHC foi decorrente da resolução de problemas anteriores que vieram à tona com a queda da inflação (falaremos sobre isto num post específico), os números do Governo do PT ficam ainda mais incompreensíveis. Isto para não falar dos contextos enfrentados por cada Governo, onde FHC teve que assumir o ônus de implementar a maioria das reformas das quais o Governo do PT agora colhe os bônus. Só para ilustrar o que estamos dizendo, observe o gráfico a seguir:

fmi36

Observe que na era FHC, em pleno processo de estabilização da economia (ou seja, quando a economia estava ainda bastante vulnerável e incerta), ocorreram sete crises internacionais e duas crises nacionais, enquanto que na era Lula até 2009 houve apenas uma crise internacional e uma crise nacional (esta provocada pelo próprio PT).

Claro que é preciso relativizar o tamanho de cada crise, da mesma forma que é preciso relativizar os impactos que cada uma tiveram na nossa economia já que os contextos são completamente diferentes. De qualquer forma, o gráfico por si só já nos indica que os anos de 1998 e 1999 foram sem dúvida os mais difíceis das últimas décadas, quando a economia ficou praticamente estagnada por dois anos consecutivos, com risco real de quebra do país, como ocorreu com diversos países emergentes.

Os anos seguintes poderiam ter sido os anos do início do processo de crescimento da nossa economia, o qual só veio a se consolidar de fato na era Lula. Tal processo foi adiado mais uma vez devido à nova sequencia de crises do início do século que, mais uma vez, retardou esta fase cujos fundamentos foram sendo construídos ao logo dos anos, desde a abertura da economia brasileira no desastroso Governo Collor.

Observe que a demanda da economia por crescimento era latente. A cada intervalo entre as crises, a economia brasileira dava plenos sinais de vitalidade. Observe também que o impacto da segunda onda de crises no PIB brasileiro foi bem menor devido ao fortalecimento gradativo da nossa economia.

Como explicar então os “36,7%”?

Simples. O Governo Lula inclui no cálculo da Dívida Pública a dívida externa como se ela estivesse negativa em US$ 273 bilhões, o que puxa o valor da dívida final para baixo em mais de US$ 500 bilhões de dólares. Para quem está surpreso com esta afirmação, sugerimos que leia o post 8 desta série,  quando mostramos as diferentes versões da dívida externa, inclusive esta na qual aparece negativa.

A mágica é a seguinte: devido ao enorme fluxo de capitais que entrou no país a partir de 2006, o Governo abate do total da Dívida Externa Bruta os dólares aqui investidos, valores que compensam o total da dívida bruta no valor de US$ 277 bilhões em agosto de 2009 e a tornam negativa em US$ 273 bilhões! Note que a diferença entre o valor positivo e negativo da dívida externa é de US$ 550 bilhões de dólares, um valor cinco vezes superior a dívida externa do período militar. Ou seja, é preciso ser muito ignorante para acreditar que o Governo Lula “pagou” US$ 550 bilhões em apenas três anos, como, aliás, o presidente teve a audácia de afirmar com todas as letras em pronunciamento oficial (ver post 3).

E como todos estes dólares chegaram ao Brasil?

Estes dólares não chegaram apenas ao Brasil. O que ocorre no mundo globalizado atual é uma busca por novos mercados, especialmente os chamados emergentes, uma vez que as economias do primeiro mundo crescem a taxas a cada ano menos significativas. Isto ocorre basicamente por dois motivos: 1) a saturação de tais mercados, onde a maioria da população já dispõe dos produtos as quais as empresas querem vender; 2) o descompasso entre a velocidade dos meios de produção (cada vez mais acelerados) e o crescimento das populações (cada vez menores, em alguns casos negativos). Neste contexto, os países do terceiro mundo com grande mercado consumidor potencial como o Brasil e Índia, por exemplo, se transformaram nos novos “eldorados” dos investidores do setor produtivo e, claro, do “setor” especulativo (ver post 4 desta série).

Tal abundância de dólares chegou a níveis tão altos que já estão provocando uma nova preocupação no Governo: a excessiva desvalorização do dólar. Por isso a taxação dos capitais especulativos estrangeiros anunciados nesta semana pelo Governo, revogando uma ação do próprio Governo Lula que em 2006 isentou tais “investidores” de IOF.

Se por um lado o dólar baixo reduz o endividamento (e o Governo Lula foi muito beneficiado por isso), por outro lado o excesso de dólares no mercado pressiona ainda mais seu valor para baixo, o que prejudica a competitividade da nossa economia e pode provocar a quebra de empresas nacionais, com graves reflexos nos índices de desemprego.

Criando uma bolha

Tal abundância de dólares tem um outro efeito preocupante a longo prazo. Como podemos ver acima, os dólares abundantes mascaram o problema da dívida pública, o que dá uma falsa sensação de que o problema da dívida está sob controle. Ainda ontem, por exemplo, a baixa do dólar no mês de setembro e o adiamento de emissões de novos títulos da dívida pública reduziram, pelo menos momentaneamente, o total da dívida pública (ver matéria publicada na Folha). A “boa notícia”, no entanto, já embute um novo problema: os “investidores” querem juros mais altos. Por isso o Governo adiou a emissão de títulos programada para setembro. Talvez por isso mesmo o Governo acenou com a possibilidade de reter a restituição do imposto de renda dias antes,  pois não contava com esta “exigência” dos “investidores”. Em outras palavras, o Governo está cada vez mais aumentando gastos confiando que a abundância de dólares vai continuar. Mas, e se os dólares fugirem? Como ficará a dívida externa? Deixará de ser “negativa”?

Enfim, ainda que esta metodologia de cálculo da Dívida Pública introduzida pelo Governo Lula em 2006 (ver post 7) seja uma prática justificável, do ponto de vista econômico, na prática ela embute uma farsa, pois induz o cidadão comum a acreditar que a dívida pública está decrescendo, o que não é verdade.

Neste contexto, mais uma vez a imprensa, que poderia exercer um papel importante, fica cada dia mais omissa, pois qualquer veículo de comunicação que se disponha a explicar fatos como estes tratados nesta série vai comprar uma briga feia com o Governo, o qual conta como trunfo a ignorância do público e os “bons indicadores econômicos” para desqualificar os possíveis adversários políticos. Para um veículo que vive de audiência, certamente brigar com um presidente que goza de 80% de popularidade é algo, no mínimo, arriscado. E assim caminha a humanidade até que a bolha estoure e a sociedade finalmente se dê conta de quanto foi omissa em todo este processo, infelizmente.

No próximo fim de semana, o último post desta série. Abraço!

Fontes:

  • IPEA – O site não permite links secundários. Para acessar então a planilha da série histórica da dívida externa, clique na aba “Macroeconomico”, em seguida em “Índices Analíticos” e finalmente em “Dívida líquida do setor público”.

 

Comparativo Lula x FHC sobre o endividamento público

Com este post finalizamos esta série sobre fmi37 a Dívida Pública.  Confesso que aprendi muito nestes últimos meses, inclusive com alguns internautas. Um deles nos passou algumas informações importantes sobre o processo de endividamento da era FHC, até hoje uma das marcas mais negativas do Governo do PSDB, aliás um fator decisivo para a perda do meu apoio como eleitor, já no final do primeiro mandato.

Depois de estudar a evolução da dívida na era Lula, vamos então retornar um pouco a era FHC para concluirmos esta série com um comparativo entre os processos de endividamento nos dois Governos, assunto este que deveria ser, se não a maior, pelo menos uma das maiores preocupações dos governantes brasileiros, uma vez a dívida pública recebe, desde a era FHC, o maior “orçamento” da união.

Como sempre, ao pesquisar sobre o assunto, encontramos muitas informações desencontradas, a maioria recheada de discursos ideológicos, onde sobram bravatas e faltam argumentos realmente consistentes.

Trabalhos sérios sobre o processo de endividamento da era FHC são poucos, mas um em especial me chamou a atenção. Primeiro pelo seu conteúdo objetivo, segundo por contar com a credibilidade da Universidade de Brasília, e, claro, do autor da pesquisa, o PhD em economia Flávio Rabelo Versiani. Para quem tiver alguma curiosidade sobre o “pequeno” currículo do autor da pesquisa, clique aqui. Para ver a pesquisa, clique aqui.

A cultura inflacionária

Para quem não viveu a época de hiperinflação, certamente não tem dimensão do desafio que foi ao Brasil derrotar o seu principal entrave ao crescimento desde o final da década de 70. Só para dar uma idéia aos mais jovens do tamanho do problema, no final do Governo Sarney, a inflação chegou a incríveis 84,32% ao mês. Vários planos econômicos tentaram conter o processo inflacionário sem sucesso até que, no Governo Itamar Franco, finalmente o problema parecia ter sido resolvido.

Digo “parecia” porque, ao contrário do que muitos pensam, o controle da inflação não foi nenhuma mágica que resolveu o problema da noite para o dia. Na verdade, o processo se estendeu por toda a era FHC e até o início do Governo Lula. Aliás, ainda hoje não se pode dizer que o processo foi completamente concluído, pois existem ainda mecanismos de indexação da economia resultantes da cultura inflacionária que, por falta de coragem do Governo atual, ainda não foram completamente eliminados.

Naturalmente uma mudança tão brusca na economia trouxe, além dos resultados positivos óbvios, também alguns problemas. Entre os positivos, o mais visível foi, sem dúvida, a melhoria da distribuição de renda com o fim do chamado “imposto inflacionário”. Entre os negativos, o mais visível foi o processo de endividamento, principalmente a explosão da dívida interna. Sobre este assunto, vamos listar as principais conclusões da pesquisa do economista Flávio Rabelo Versiani.

A explosão da dívida pública na era FHC

Primeiramente, o pesquisador faz uma distinção entre o processo de endividamento decorrente dos ajustes do cambio (diferença entre o valor do Real em relação ao Dólar) e fatores “não repetitivos” resultantes de reformas na economia. Entre os fatores não repetitivos, o pesquisador destaca três:

1) Refinanciamento de estados e municípios – Desde a constituição de 1988 que deu mais “liberdade” para os estados e municípios, houve um crescente endividamento nestas esferas do poder público. Entre 1989 e 1998, a dívida líquida dos estados e municípios passara de 5,8% para 14,4% do PIB. Os governadores gastavam mais do que arrecadavam, sendo que o restante era financiado por bancos estaduais, os quais disfarçavam os prejuízos nos tempos de inflação alta pois, assim como o Governo Federal, tiravam da inflação alta parte de suas receitas. Quando a inflação acabou, a situação dos bancos estaduais (e consequentemente os estados) tiveram suas situações de endividamento pioradas. Para desativar a “bomba” que explodiria mais cedo ou mais tarde, em 1997 o Governo criou a Lei de Responsabilidade Fiscal e, para aprová-la, teve que se comprometer com os governadores a assumir as dívidas dos estados e municípios.

“Outra forma de apoio aos estados foi o Programa de Incentivo à Redução do Setor Público Estadual na Atividade Bancária – PROES, estabelecido pela Medida Provisória 1.514, de 1996, e legislação posterior. Sob esse programa, o governo federal estendeu empréstimos a estados para o propósito de privatização ou liquidação de seus bancos, ou sua transformação em instituição não-financeira. O programa teve a adesão de 21 estados e alcançou 36 instituições financeiras”

Como resultado deste processo, foram repassados para da dívida interna federal R$ 275 bilhões.

Vale salientar que esta mesma Lei de Responsabilidade Fiscal, a qual prevê punição aos governadores e prefeitos que gastarem mais do que suas receitas, está sendo alvo de uma grande campanha de prefeitos e governadores para que seja “flexibilizada”. Ou seja, estão querendo acabar com um dos grandes avanços da administração FHC implantada a duras penas e com alto custo ao cofres públicos. Vale lembrar também que nesta mesma época o PT foi um dos grande entraves do governo, por fazer oposição sistemática a cada ação do governo, até mesmo nas mais óbvias e necessárias como as reformas estruturais das quais hoje colhe os frutos no governo.

Passivos contingentes“O governo federal realizou diversas operações, na última década, com o objetivo de assumir dívidas latentes, ou seja, compromissos assumidos no passado, de diversas formas, pela União, mas que não tinham sido contabilizados como dívidas efetivas”.

Um desses casos foi a resolução do grande problema criado pelo Sistema Financeiro de Habitação (SFH) que na época da inflação alta criou grandes distorções para os mutuários. Para quem não lembra dessa época, existiam milhões de brasileiros que financiaram imóveis pela Caixa Econômica Federal e que mesmo depois de terem pago metade da prestações, o valor total da venda do imóvel não era suficiente nem mesmo para quitar a dívida.

“Outros passivos contingentes derivaram da assunção, pelo governo federal, de débitos e obrigações de entidades extintas ou privatizadas, como o Lloyd Brasileiro, a Rede Ferroviária Federal, a SUNAMAM, o Instituto do Açúcar e do Álcool, etc. (STN, 2002-b). O valor da Dívida Mobiliária Federal referente a assunção desses “esqueletos” montava, em abril de 2002, a R$ 143,4 bilhões”.

Fortalecimento de bancos federais – Hoje os bancos estatais como o Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal são exemplos de boas gestões, lucrativos e financiadores do desenvolvimento nacional, emprestando dinheiro até mesmo a Petrobrás. O que pouca gente sabe (ou esqueceu), no entanto, é que para chegar ao que são hoje, tais bancos tiveram que ser saneados no Governo FHC através do Programa de Fortalecimento das Instituições Financeiras Federais (PROEF) além de serem forçados a adequarem-se aos padrões de capitalização e de provisão de riscos de crédito estabelecidos pelas normas internacionais.

“Como resultado do PROEF, a Caixa Econômica, o BASA e o BNB tiveram seu capital aumentado (o do Banco do Brasil já o fora, pela Medida Provisória nº 2.072-66, de março de 2001), e procedeu-se também a uma troca de ativos de pouca liquidez por outros líquidos, e remunerados a taxas de mercado. Houve também uma transferência do risco de créditos para o Tesouro Nacional, no caso de operações ligadas a programas de governo, e a uma empresa especialmente criada (Empresa Gestora de Ativos). A parcela da Dívida Mobiliária Federal correspondente às operações do PROEF atingia, em abril de 2002, o valor de R$ 69,5 bilhões.”

Conclusão: A soma entre os totais gastos para resolver os problemas herdados pelo Governo FHC totalizam R$ 572,6 bilhões, o que corresponde a 85% da dívida de R$ 623 bilhões deixada por FHC, segundo o Tesouro Nacional, e 67,5% em relação à dívida de R$ 848 bilhões, segundo a versão do Banco Central que inclui os títulos em poder do BC e as dívidas das estatais.

Somando-se a esta montante os bilhões de dólares gastos para segurar o câmbio nas sucessivas crises da década, além de juros e algumas emissões de títulos para suprir os déficts orçamentários decorrentes da diversas fases do processo de estabilização, chegamos a famosa “herança maldita” deixada por FHC.

A explosão da dívida pública na era Lula

É importante observar que a pesquisa citada foi publicada no início do Governo Lula. Apesar do grande aumento da dívida verificado na era FHC, o autor da pesquisa conclui que a dívida teria entrado em “uma trajetória decrescente da relação dívida / PIB, nos próximos anos”.

Além resolução dos problemas decorrentes da queda da inflação citadas acima, o autor cita também a criação do superávit primário em 1999 como o principal vetor para a redução da dívida pública.

“É importante ressaltar que a manutenção de um superávit primário significativo, da ordem de 3,5 % do PIB, é um condicionante fundamental de uma trajetória favorável da dívida. Se essa meta tivesse sido perseguida, no período 1995-1998, da forma como o foi, a partir de 1999, a relação dívida/PIB seria hoje próxima da metade do valor hoje efetivamente observado.”

Ou seja, a qualquer redução da dívida atual comemorada pelo atual governo tem mais a ver com as políticas implementadas na era FHC do que com ações do próprio Governo Lula. Aliás, a previsão da substancial redução da dívida segundo o economista com a amortização do superávit primário infelizmente não se concretizou.

As razões são obvias: o Governo Lula, apesar de cumprir as resoluções do superávit primário até 2008 (em 2009 reduziu a meta pela metade), continuou emitindo títulos da dívida para financiar um desenvolvimento artificial da economia, através do famoso PAC. Digo artificial porque o programa não é nada mais nada menos que um paliativo, uma injeção de recursos públicos na economia com data e hora para terminar, porém com significativo endividamento público.

Além da ausência de crises, de um cenário econômico internacional favorável que permitiu seis anos e meio de crescimento sucessivos da nossa economia, sem o peso de “esqueletos” do passado, com uma economia já estabilizada e com um dólar em queda livre, ainda assim o Governo Lula conseguiu aumentar significamente a dívida ao invés de diminuí-la (ver gráficos nos posts 7 e 8).

Vale salientar ainda que a injeção de recursos públicos na economia tem um outro efeito negativo que se volta contra o próprio Governo: a pressão inflacionária decorrente do aumento da liquidez (excesso de dinheiro no mercado). Por isso mesmo, apesar de tantos anos de estabilidade, o Governo ainda reluta em baixar os juros da Selic (até hoje sua única arma contra a inflação). Com juros altos, o país continua pagando altíssimos juros (hoje o terceiro do ranking mundial, uma vez que devido à crise financeira internacional, o Governo foi forçado a baixar os juros). Infelizmente, passada a crise, novas pressões inflacionárias já acenam para a uma nova trajetória de aumento dos juros em 2010, o que implica em mais gastos com juros e amortizações das dívidas.

Conclusão Final

O Governo Lula perdeu uma grande chance de criar as condições ideais para um crescimento sustentável com a redução da dívida pública e da carga tributária, aumentada na era FHC justamente para compensar a diminuição dos recursos públicos com o aumento da dívida pública. Na direção contrária, o Governo Lula aumentou ainda mais a carga tributária em dois pontos percentuais para suprir a enorme demanda de recursos decorrente do aumento dos gastos públicos, especialmente os fixos, os quais dificilmente poderão ser diminuídos no futuro.

Tal quadro mostra também o enorme potencial do Brasil, pois consegue crescer mesmo pagando quase R$ 300 bilhões por ano de juros e amortizações da dívida pública. Imaginem como estaria então hoje este país, se o Governo Lula tivesse realmente reduzido a dívida pela metade, conforme previsto pelo pesquisador Flávio Rabelo Versiani.

Mais grave ainda é o legado que Lula deixa quanto a sua forma de administrar, pautada em resultados imediatos. Como a conta das “realizações” do Governo Lula ainda não está sendo sentida pela população, o próximo governante vai se ver no dilema de repetir a fórmula “bem sucedida” politicamente (porém perniciosa aos cofres públicos) ou enterrar-se politicamente para implantar uma política austera, preparando assim um novo berço esplêndido para o próximo presidente (no caso o próprio Lula, em 2014).

Se o cenário econômico mundial continuar favorável, é muito mais provável que tudo continue como está. Caso contrário, o país terá que passar por uma grave crise para então se dar conta dos erros cometidos no passado. Em qualquer dos cenários, certamente teremos pago mais um trilhão em juros e serviços da dívida, infelizmente.


Fonte: http://visaopanoramica.wordpress.com/2009/10/31/lula-e-a-divida-publica-final/

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